O Conde de Monte Cristo - Cap. 59: O testamento Pág. 578 / 1080

- Ah, senhores, bem vêem que tudo isto é inútil e que o meu pobre pai está louco! - disse Villefort.

- Oh, compreendo! - exclamou de súbito Valentine. - O meu casamento, não é, avô!

- Sim, sim, sim! - repetiu três vezes o paralítico, e os olhos relampejavam-lhe cada vez que abria as pálpebras.

- Estás zangado connosco por causa do casamento, não é?

- É.

- Mas isso é absurdo? - interveio Villefort.

- Perdão, senhor - redarguiu o notário -, mas, pelo contrário, é muito lógico e parece-me encadear-se perfeitamente.

- Não queres que case com o Sr. Franz de Epinay?

- Não, não quero - exprimiu o olhar do velho.

- E deserda a sua neta por ela casar contra a sua vontade? - perguntou o notário.

- Deserdo - respondeu Noirtier.

- Portanto, sem esse casamento ela seria sua herdeira?

- Sim.

Fez-se um profundo silêncio à volta do velho.

Os dois notários consultavam-se; Valentine, com as mãos juntas, fitava o avô com um sorriso reconhecido; Villefort mordia os lábios delgados e a Sr.ª de Villefort não conseguia reprimir um sentimento de prazer, que, malgrado seu, se lhe reflectia na cara.

- Mas - disse por fim Villefort, o primeiro a quebrar o silêncio - parece-me que sou o único juiz das vantagens que militam a favor da dessa união. Único senhor da mão da minha filha, quero que ela case com o Sr. Franz de Epinay e casará!

Valentine caiu, chorando, numa cadeira.

- Senhor - prosseguiu o notário, dirigindo-se ao velho que tenciona fazer da sua fortuna no caso de Mademoiselle Valentine casar com o Sr. Franz?

O velho permaneceu imóvel.

- Tenciona dispor dela?

- Tenciono - respondeu Noirtier.

- A favor de alguém da sua família?

- Não.

- A favor dos pobres, então?

- Sim.

- Mas - observou o notário - sabe que a lei se opõe a que despoje inteiramente o seu filho?

- Sei.

- Só disporá portanto da parte que a lei o autoriza a dispor.

Noirtier ficou imóvel.

- Continua a querer dispor de tudo?

- Continuo.

- Mas depois da sua morte contestarão o testamento!

- Não.

- O meu pai conhece-me, senhor - interveio Villefort -, e sabe que a sua vontade será sagrada para mim. De resto, compreende que na minha posição não posso pleitear contra os pobres.

O olhar de Noirtier exprimiu triunfo.

- Que decide, senhor? - perguntou o notário a Villefort.

- Nada, senhor. Trata-se de uma resolução firme no espírito do meu pai e sei que o meu pai não muda de resolução. Resigno-me portanto. Esses novecentos mil francos sairão da família para ir enriquecer os hospitais; mas não cederei a um capricho de velho e fá-lo-ei de acordo com a minha consciência.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069