- E então? - perguntou Danglars.
- E então, senhor - prosseguiu Eugénie -, tentei até ao limite das minhas forças, e agora que chegou o momento, apesar de todos os esforços que empreguei sobre mim própria, sinto-me incapaz de obedecer.
- Mas enfim, Eugénie, a razão? - perguntou Danglars, que, espírito primário, parecia antes de mais nada esmagado pelo peso daquela lógica implacável, cuja fleuma denotava tanta premeditação e força de vontade. - Qual a razão dessa recusa?
- A razão? - replicou a jovem. - Oh, meu Deus, não é que o homem seja mais feio, mais estúpido ou mais desagradável do que outro, não. O Sr. Andrea Cavalcanti pode até passar, junto daqueles que apreciam os homens pela cara e pela figura, por ser um modelo muitíssimo aceitável. Também não é porque o meu coração esteja menos inclinado para ele do que para qualquer outro; isso seria uma razão de colegial que considero absolutamente abaixo de mim. Não amo absolutamente ninguém, senhor; sabe-o, não é verdade? Não vejo, portanto, por que motivo, sem disso ter absoluta necessidade, iria embaraçar a minha vida com um companheiro eterno. Não disse o sábio algures: «Nada de excessos!»? E noutro passo: «Trazei tudo convosco»? Até aprendi estes dois aforismos em latim e em grego. Um é, creio, de Fedro, e o outro, de Bias. Pois bem, meu querido pai, no naufrágio da vida, porque a vida é um naufrágio eterno das nossas esperanças, lanço ao mar a minha bagagem inútil, muito simplesmente, e fico com a minha vontade, disposta a viver absolutamente só e portanto absolutamente livre.
- Desgraçada! Desgraçada! - murmurou Danglars, empalidecendo, pois conhecia por longa experiência a solidez do obstáculo com que deparava tão de repente.
-«Desgraçada! Desgraçada», diz o senhor? - prosseguiu Eugénie. - Mas não, na realidade, e a exclamação parece-me absolutamente teatral e afectada. Pelo contrário, feliz porque lhe pergunto: que me falta? A sociedade acha-me bela, e isso é qualquer coisa que merece ser acolhida favoravelmente. Gosto dos bons acolhimentos: alegram as caras e os que me rodeiam parecem-me também menos feios.
»Sou dotada de algum espírito e de certa sensibilidade relativa, que me permite extrair da existência geral para o fazer entrar na minha o que nela encontro de bom, como faz o macaco quando parte a noz verde para lhe extrair o que contém.