O Conde de Monte Cristo - Cap. 98: A estalagem do sino e da garrafa Pág. 921 / 1080

Ora somos forçados a confessar que Andrea poderia ter remorsos, mas não os tinha.

Eis qual era o plano de Andrea, plano que lhe dera a maior parte da sua tranquilidade: ao amanhecer, levantar-se-ia e sairia da estalagem depois de pagar escrupulosamente a conta; dirigir-se-ia para a floresta e compraria, a pretexto de se dedicar a estudos de pintura, a hospitalidade de um camponês; arranjaria um traje de lenhador e um machado, ou seja, despiria as galas de «leão» para envergar as vestes de operário. Depois, com as mãos terrosas, o cabelo escurecido por um pente de chumbo e o rosto bronzeado com um preparado de que os seus antigos camaradas lhe tinham dado a receita, alcançaria, de floresta em floresta, a fronteira mais próxima, caminhando de noite, dormindo de dia nos bosques ou nas pedreiras e só se aproximando de lugares habitados para comprar de vez em quando um pão.

Uma vez atravessada a fronteira, Andrea venderia os diamantes por uma importância a que juntaria uma dezena de notas que trazia sempre consigo para qualquer eventualidade e encontrar-se-ia ainda de posse de umas cinquenta mil libras, o que não parecia à sua filosofia um começo de vida demasiado rigoroso.

De resto, contava muito com o interesse que os Danglars teriam em extinguir o falatório acerca da sua desventura. Eis por que, além da fadiga, Andrea adormeceu tão depressa e dormiu tão bem.

No entanto, para acordar mais cedo, Andrea não fechara as persianas; limitara-se apenas a correr o fecho da porta e a deixar aberta, em cima da mesa-de-cabeceira, uma navalha aguçadíssima, cuja excelente têmpera conhecia e de que nunca se separava.

Por volta das sete da manhã, Andrea foi acordado por um raio de sol que lhe veio, tépido e brilhante, brincar na cara.

Em qualquer cérebro bem organizado a ideia dominante - e existe sempre uma -, a ideia dominante, dizíamos, é a que, depois de ser a última a adormecer, é também a primeira que ilumina o despertar do pensamento.

Ainda Andrea não abrira por completo os olhos e já o seu pensamento dominante se lhe impunha e segredava que dormira demais.

Saltou da cama e correu à janela. Um gendarme atravessava o pátio.

Um gendarme é um dos indivíduos mais impressionantes que existem no mundo, mesmo aos olhos de um homem que não tem nada a temer; mas para uma consciência assustada e que tem algum motivo para o estar, o amarelo, o azul e o branco de que se compõe o seu uniforme adquirem aspectos assustadores.

«Porquê um gendarme?», pensou Andrea.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069