O Conde de Monte Cristo - Cap. 14: O prisioneiro furioso e o prisioneiro louco Pág. 97 / 1080

Capítulo XIV - O prisioneiro furioso e o prisioneiro louco

Cerca de um ano depois do regresso de Luís XVIII verificou-se a visita do Sr. Inspector- Geral das Prisões.

Dantès ouviu do fundo da sua masmorra arrastar e ranger, todos os preparativos que faziam em cima muito barulho, mas que em baixo seriam ruídos inapreciáveis para qualquer outro ouvido que não fosse o de um prisioneiro, habituado a escutar no silêncio da noite a aranha que tece a sua teia e a queda periódica da gota de água que leva uma hora a formar-se no tecto da sua masmorra.

Adivinhou que se passava entre os vivos qualquer coisa extraordinária. Habitava havia tanto tempo uma tumba que bem se podia considerar morto.

Com efeito, o inspector visitava um após outro quartos, celas e masmorras. Foram interrogados vários prisioneiros: aqueles que a sua brandura ou a sua estupidez recomendava à benevolência da administração. O inspector perguntou-lhes como eram alimentados e que reclamações tinham a fazer. Responderam unanimemente que a alimentação era detestável e que reclamavam a sua liberdade.

O inspector perguntou-lhos então se não tinham mais nada a pedir-lhe. Abanaram a cabeça. Que outra riqueza além da liberdade podem reclamar prisioneiros?

O inspector virou-se sorrindo e disse ao governador:

- Não sei porque nos obrigam a fazer estas inspecções inúteis. Quem vê um prisioneiro vê cem; quem ouve um prisioneiro ouve mil; é sempre a mesma coisa: mal alimentados e inocentes. Tem mais?

- Sim, temos os prisioneiros perigosos ou loucos, que conservamos nas masmorras.

- Bom - disse o inspector com ar de profundo cansaço - cumpramos a nossa missão até ao fim, desçamos às masmorras.

- Espere - contrapôs o governador -, deixe ir ao menos buscar dois homens. às vezes os prisioneiros, por estarem fartos da vida e para serem condenados à morte, cometem actos de desespero inúteis. O senhor poderia ser vítima de um desses actos.

- Tome portanto as suas precauções - disse o inspector.

De facto mandaram buscar - dois soldados e começaram por descer uma escada tão malcheirosa, tão infecta, tão bafienta que só a passagem por semelhante lugar afectava desagradavelmente ao mesmo tempo a vista, o olfacto e a respiração.

- Oh! - suspirou o inspector detendo-se a meio da descida. - Quem diabo pode viver aqui?

- Um conspirador dos mais perigosos e que nos está especialmente recomendado como um homem capaz de tudo.

- Está sozinho? - Certamente.

- Há quanto tempo se encontra aqui? - Há um ano, pouco mais ou menos.

- E foi metido nesta masmorra logo que entrou?

- Não, senhor, mas sim depois de ter querido matar o chaveiro encarregado de lhe trazer a comida.

- Tentou matar o chaveiro?

- Sim, senhor. Aquele mesmo que nos alumia. Não é verdade, Antoine? - perguntou o governador.

- Quis matar-me sem motivo - sublinhou o chaveiro.

- Ora vejam! Mas nesse caso esse homem está louco?

- É pior do que um louco, é um demónio - acrescentou o chaveiro.

- Quer apresentar queixa? - perguntou o inspector ao governador.

- É inútil senhor, já está suficientemente castigado assim.

De resto, neste momento encontra-se quase louco e segundo a experiência que nos dão as nossas observações antes de passar outro ano aqui estará completamente alienado.

- Por Deus, tanto melhor para ele - disse o inspector. - Uma vez completamente louco, sofrerá menos.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069