O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 26: CAPÍTULO XIV Pág. 147 / 245

Os grumetes trouxeram duas balas. Uma foi amarrada aos pés, outra ao pescoço. As botinhas dela, de seda preta, apareciam fora da orla do vestido e da bandeira que a envolvia. As luzes dos archotes faziam tremer sobre o mar vagas claridades. No silêncio sentia-se o estalar da rezina.

O sino de bordo começou a tocar. Os marinheiros elevaram o corpo à altura próxima da amurada. Então ergueu-se um canto grave, melancólico, de uma infinita tristeza. O padre rezava com as mãos impostas sobre o cadáver. E afastando-se, disse:

- In eternum sit!

Todos responderam:

- Ámen!

O vento gemia. Lord Grenlei adiantou-se e disse em voz alta:

- Neste dia, a bordo do Romântic, navio inglês, morreu Carmen Puebla, de nação espanhola, e para eterna proteção do seu corpo, como sendo sepultada em território britânico, foi amortalhada na bandeira inglesa. In pace.

- Ámen! responderam os marinheiros.

- Em nome do Padre, disse o capelão, do Filho e do Espirito, santa seja a sepultura a que ela é deitada, e que fique como em terra sagrada nestas águas do mar!

- Ámen! murmuraram os marinheiros.

- Ao mar! disse lord Grenlei com voz forte.

Os dois marinheiros suspenderam o cadáver sobre o mar; todos se aproximaram, fazendo circulo com os archotes; o cadáver, arremessado, mergulhou com um som lúgubre, desapareceu, e a espuma das vagas correu-lhe por cima.

Os archotes foram apagados num triste silêncio. O navio afastava-se. Eu, encostado à amurada, tinha os olhos fitos no ponto vago onde o corpo desaparecera. Ela ali ficava morta. Encheu-me o peito uma longa saudade. Lembrava-me dela, dançando no convés do Ceilão, rindo à mesa de Clarence-Hotel. Tudo tinha acabado. Nunca mais! nunca mais! Ali ficava com uma bala aos pés!

O vento refrescou.





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