O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 39: CAPÍTULO VI Pág. 215 / 245

Que quer então que lhe diga? Não vim a Portugal espontaneamente? Não tem encontrado sempre ao seu lado o meu amor, fiel como um cão? - Que mais quer? Acha-me reservado, diz. E se eu tivesse as violências de Otelo, achava-me decerto ridículo! De resto, sabe-o bem, amo-a! Digo-lho aqui, sentado num sofá, de sobrecasaca, num a casa que tem número para a rua, e vou daqui a pouco; num coupé, jantar, jogar talvez o xadrez, vestir - quem sabe? - uma robe de chambre! É lamentável tudo isto, bem sei. E é por isto que não tem confiança em mim? E diga-me francamente: se eu estivesse aqui nos paroxismos de Anthony, ou tivesse uma toilete veneziana, ou se isto fosse uma abadia feudal, ou se eu partisse daqui para conquistar Jerusalém, diga-me - tinha mais confiança?

- Tudo isso não quer dizer nada.

- Oh minha querida amiga…

- A sua querida amiga, interrompi, nada mais pede que um coração franco e reto. São tudo pois imaginações minhas? Não há nada que nos separe? Pois bem, vou dizer-lhe uma coisa e juro-lhe que é irremissível, juro que o digo em toda a frieza do meu juízo, sem exaltação e sem paixão, com o discernimento mais livre, o cálculo mais positivo…

- Mas, meu Deus! Diga…

- E esta resolução, aceita-a?

- Uma resolução… E o que envolve ela?

- Envolve a única coisa possível, a única que me fará crer em si, com a mesma fé com que creio em mim. Aceita-a?

- Mas como não hei de aceitar?…

- Pois bem, comecei eu.

E tomando-lhe as mãos, disse-lhe junto da face numa voz ardente como um beijo:

- Fujamos amanhã.

Ritmel empalideceu levemente e retirando devagar as suas mãos dentre a pressão das minhas:

- E sabe que é uma coisa irreparável?

- Sei.

Ele sentara-se, com os olhos sobre o tapete, e eu no entanto, de pé junto dele, com a minha mão pousada sobre o seu ombro, dizia-lhe como no murmúrio de um sonho:

- Pensava nisto há um mês.





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