O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 40: CAPÍTULO VII Pág. 219 / 245

Como seria bom ser assim uma mulher pacífica, com um equilíbrio suave no coração, uma toilete fresca, o amor das coisas justas, e um filho pela mão! Se eu fosse assim seria alegre, amável, passearia, daria bombons ao meu pequerrucho, trá-lo-ia vestido de cores leves, com uma flor no cinto; conversaria com ele, e à volta, depois do cansaço do meu passeio, amaria a tranquilidade da minha vida. Ele adormeceria sobre o sofá. A janela estaria aberta. Grandes borboletas brancas voariam em volta do candeeiro; eu, ajoelhada, procuraria despi-lo, sem o acordar, cantando, baixo, em segredo,

uma melodia dormente de Mozart, e no entretanto a pena do pai rangeria, a um canto, sobre o papel. Ó perfumados paraísos da vida! como eu me afasto de vós!

Assim pensava, quando cheguei a casa. No meio do meu quarto estavam fechadas, afiveladas, sobrepostas as minhas malas. Ao pé uma grande pele, apertada na sua correia. Tudo estava pronto, devíamos partir na manhã seguinte. As minhas ideias simples debandaram.

Senti um extremo desejo de liberdade, de mares abertos, de países extensos e distantes, que se atravessam ao galope da posta ou na velocidade de um wagon. Era noite. Não pedi luz. O luar entrava no quarto através das árvores do jardim. Sentei-me à janela.

A minha situação apareceu-me então com o prestígio de um belo romance. Mil imaginações e fantasias cantavam no meu cérebro. Sentia-me à entrada de uma vida de perigos, de êxtases, de glórias. Via-me na tolda de um paquete entre os perigos de um naufrágio: ou numa serra espessa, por um grande luar, numa companhia de contrabandistas que cantam à Virgem; ou no silencio de uma caravana escoltada de beduínos, acampando no monte das Oliveiras, em frente de Jerusalém. Percorreria a Itália; entraria nas cidades ao galope dos cavalos, ao acender o gaz, quando a multidão enche os corsos entre fileiras de altivos palácios da Renascença.





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