O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 44: SÉTIMA PARTE - CONCLUEM AS REVELAÇÕES DE A. M. C.
CAPÍTULO I Pág. 238 / 245

Tinham-lhe atado a gravata branca, abotoado o colete e vestido a casaca azul de botões de ouro, em cuja carcela se via ainda pendida uma rosa murcha. A cabeça dele, na luz a que estava sujeita, era de uma expressão ideal. Os olhos, de que se não viam as pupilas, apagados e imoveis, davam ao seu rosto o vago aspeto que apresentam os das antigas estátuas. Nos lábios entreabertos parecia pairar um leve sorriso sob o bigode arqueado. Os anéis do cabelo, despenteados pelo contato da manta em que viera envolto o cadáver, destacavam na lividez da cara como um velo de ouro numa superfície de marfim.

Havia um silêncio profundo. Ouvia-se o bater dos segundos nos relógios que tínhamos nas algibeiras e o zumbir das moscas que esvoaçavam sobre a face do morto. Eu fitando-o com os olhos marejados de lágrimas, pensava melancolicamente…

Pobre Ritmel! Se neste momento solene, em que o teu corpo espera à beira da cova pelo seu descanso eterno, te faltam na terra as pompas fúnebres devidas à tua hierarquia; se te não seguiu até aqui um préstito de uniformes recamados de ouro; se nem sequer tens ao entrar na tua derradeira morada as orações de um padre e a luz de um cirio, cubra-te ao menos a bênção da amizade! Descendente de lords, jovem, inteligente e belo, quando todas as flores que perfumam a vida desabrochavam debaixo dos teus passos, apaga-se de súbito no firmamento a estrela que presidiu ao teu nascimento, e tu baqueias como o ente mais desprezível no fundo de uma sepultura sem lápide, sem nome, na mesma casa em que vieste procurar a última expressão da tua felicidade, à luz das mesmas velas que iluminaram o teu derradeiro beijo! Os outros desgraçados que morrem têm ao menos na terra um lugar assinalado onde repousam as suas cinzas, e onde podem ir os que os amaram chorar por eles.





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