O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 8: CAPÍTULO VII Pág. 38 / 245

Aquele homem não se tinha suicidado. Não estava decerto só, no momento em que bebera o ópio. O narcótico tinha-lhe sido dado, sem violência evidentemente, por ardil ou engano, num copo de água. A ausência do lenço, o desaparecimento da gravata, a colocação do fato, aquele cabelo louro, uma cova recentemente feita no travesseiro pela pressão de uma cabeça, tudo indicava a presença dalguém naquela casa durante a noite da catástrofe. Por consequência: impossibilidade de suicídio, verosimilhança de crime.

O lenço achado, o cabelo, a disposição da casa, (evidentemente destinada a entrevistas íntimas) aquele luxo da sala, aquela escada velha, devastada, coberta com um tapete, a corda de seda que eu tinha sentido… tudo isto indicava a presença, a cumplicidade de uma mulher. Qual era a parte dela naquela aventura? Não sei. Qual era a parte de A. M. C.? Era o assassino, o cúmplice, o ocultador do cadáver? Não sei. M. C. não podia ser estranho a essa mulher. Não era decerto um cúmplice tomado exclusivamente para o crime. Para dar ópio num copo de água não é necessário chamar um assassino assalariado. Tinham por consequência um interesse comum. Eram amantes? Eram casados? Eram ladrões? E acudia-me à memória aquela inesperada referencia a 2:300 libras que de repente me tinha aparecido como um novo mistério. Tudo isto eram conjeturas fugitivas. Para que hei de repetir eu todas as ideias que se formavam e que se desmanchavam no meu cérebro, como nuvens num céu varrido pelo vento?

Há decerto na minha hipótese ambiguidades, contradições e fraquezas, há nos indícios que colhi lacunas e incoerências: muitas coisas significativas me escaparam por certo, ao passo que muitos pormenores inexpressivos se me gravaram na memória, mas eu estava num estado mórbido de perturbação, inteiramente desorganizado por aquela aventura, que inesperadamente, com o seu cortejo de sustos e mistérios, se instalara na minha vida.





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