O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 10: TERCEIRA PARTE - DE F… AO MÉDICO
CAPÍTULO I Pág. 52 / 245

para o círculo da luz trepidante projetada pelo candeeiro e contornada no teto pela abertura do abat-jour, e começaram a desafogar-se-me os comprimidos espasmos do coração em bocejos longos acompanhados de estremecimentos nervosos, que me convidavam suavemente ao repouso. A minha imaginação ocupada num trabalho inconsciente, semelhante ao dos sonhos, ia tirando no entanto do caso que eu presenciara as ramificações mais ilógicas e mais fantásticas. Os sucessos porque passámos desde a estrada de Sintra até à minha entrada neste quarto apareciam-me redemoinhando convulsamente no ar como um enorme enigma figurado, cujos objetos tumultuavam impelidos pelos pontapés de diabinhos sarcásticos, que se riam para mim e me deitavam de fora as linguazinhas em brasa.

Fui caindo molemente num despego languido, fecharam-se-me os olhos, adormeci.

Ao acordar, depois de um sono breve mas sossegado e reparador, encarei na ceia que reluzia aos meus olhos.

Havia sobre a mesa um pão, uma caixa de lata com sardinhas de Nantes, uma terrinazinha de foie gras, uma perdiz, uma fatia de queijo e três garrafas de vinho de Bourgogne, lacradas de verde; junto destas, quatro garrafas de soda. Na argola de prata do guardanapo estava passado o saca-rolhas. Sobre uma bandeja de metal erguia-se um feixe de charutos cor de chocolate, luzidios, gordos, apertados nas extremidades com duas fitas de seda carmesim. Em cima da caixa das sardinhas achava-se colocado o instrumento destinado a abri-la. O copo era de cristal finíssimo, o garfo de prata dourada, a faca de cabo de madrepérola, os pratos de porcelana brancos, cercados de um estreito filete dourado e verde. Atirei rapidamente com os pés para o chão. Sentei-me no sofá, senti a fome encavalar-se-me no dorso, carregar-me na cabeça para cima da ceia, cingir-me a cinta com as suas pernas esgalgadas e cravar-me no estomago vazio os acicates da gula.





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