Calafrio - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 131 / 164

— Não sei o que está a dizer. Não vejo ninguém. Não vejo nada. Nunca vi. A senhora é cruel. Não gosto de si! — Então, depois deste desabafo, o qual poderia perfeitamente ter saído da boca de uma criança da rua, Flora agarrou-se ainda mais a Mrs. Grose e escondeu aquela face terrível nas suas saias. De seguida, deixou escapar um grito quase furioso. — Leve-me daqui, por favor, leve-me daqui! Oh, não quero estar ao pé dela!

— De mim? — inquiri, boquiaberta.

— Sim, de si, de si! — Parecia histérica.

Até Mrs. Grose parecia estar com medo de mim, dai que não me restasse qualquer outra alternativa para além de comunicar com a figura que, na margem aposta do lago, rígida como uma estátua de pedra, os ouvidos bem atentos às nossas palavras, ali parecera haver-se dirigido, não para me dar razão, mas para provocar a minha queda. Aquela criança perversa falara como se todas as suas palavras Ihe tivessem sido inspiradas por uma qualquer fonte exterior, e, desesperada, limitei-me a responder com um aceno de cabeça e a dizer:

— Se alguma vez tive uma só dúvida que fosse, esta por certo teria desaparecido neste mesmo instante. Tenho vivido com a mais miserável das verdades, e fui agora cercada por ela. Claro que a perdi, menina. Interferi e, com a ajuda dela — apontei para a outra margem do lago, onde a nossa testemunha infernal nos fitava — a menina arranjou maneira de se escapar com facilidade. Fiz o que podia, mas perdi. Adeus. — Virei-me para Mrs. Grose e despedi-me dela com um imperativo «Vá-se embora! Vá-se embora!» Pareceu-me então que a mulher, apesar de se manter agarrada à garota e apesar da sua cegueira, compreendia que ali acontecera qualquer coisa de terrível, e ela afastou-se pelo mesmo caminho que ali nos levara tão depressa quanto as suas pernas lhe permitiam.





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