O Conde de Monte Cristo - Cap. 113: O passado Pág. 1046 / 1080

Monte-Cristo estremeceu e virou-se.

O porteiro estendia-lhe as tiras de pano em que o abade Faria registara todos os tesouros da sua ciência. Aquele manuscrito era a grande obra do abade Faria acerca da realeza em Itália.

O conde pegou-lhe sofregamente e os seus olhos pousaram em primeiro lugar na epígrafe. Leu: «Arrancarás os dentes do dragão e calcarás aos pés os leões, disse o Senhor.»

- Ah, cá está a resposta! - exclamou. - Obrigado, meu pai, obrigado! Depois disse, tirando da algibeira uma carteirinha que continha dez notas de mil francos cada uma:

- Tome, aceite esta carteira.

- Dá-ma?

- Dou, mas com a condição de só ver o que tem dentro depois de me ir embora.

E apertando ao peito a relíquia que acabava de recuperar e que tinha para ele o valor do mais rico tesouro, saiu do subterrâneo e meteu-se na barca.

- Para Marselha! - ordenou.

E enquanto se afastava, disse com os olhos cravados na sombria prisão:

- Ai daqueles que me mandaram encerrar naquela prisão e daqueles que esqueceram que lá estive encerrado!

Quando voltou a passar diante dos Catalães, o conde virou-se, envolveu a cabeça na capa e murmurou um nome feminino.

A vitória era completa; o conde vencera duas vezes a dúvida.

O nome que pronunciara com uma expressão de ternura que era quase de amor fora o nome de Haydée.

Assim que pôs pé em terra, Monte-Cristo dirigiu-se para o cemitério, onde sabia encontrar Morrel.

Também ele, dez anos antes, procurara piedosamente uma sepultura naquele cemitério, e procurara-a em vão. Ele, que regressava a França com milhões, não conseguira encontrar a sepultura do pai morto de fome.

Morrel bem mandara lá colocar uma cruz, mas a cruz caíra e o coveiro queimara-a, como fazem todos os coveiros a toda a madeira velha que encontram caída nos cemitérios.

O digno negociante fora mais feliz: morto nos braços dos filhos, fora, levado por eles, dormir o sono eterno junto da mulher, que o precedera dois anos na eternidade.

Duas grandes lajes de mármore com os seus nomes encontravam-se colocadas uma ao lado da outra num pequeno recinto fechado por uma balaustrada de ferro e sombreado por quatro ciprestes.

Maximilien estava encostado a uma das árvores e olhava sem ver para as duas sepulturas.

A sua dor era profunda, quase desvairada.

- Maximilien, não é para ai que deve olhar, é para ali - disse-lhe o conde, indicando-lhe o céu.

- Os mortos estão em toda a parte - redarguiu Morrel. - Não foi o que me disse quando me trouxe de Paris?

- Maximilien - disse o conde -, pediu-me durante a viagem que lhe permitisse ficar uns dias em Marselha. Continua a ser essa a sua vontade?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069