Só raramente vi as evasões serem bem sucedidas. As evasões que resultam, as evasões coroadas de pleno êxito, são as evasões meditadas com cuidado e preparadas lentamente. Foi assim que o duque de Beaufort fugiu do Castelo de Vincennes, o abade Dubuquoi do Fort-l'evêque e Latude da Bastilha. Há ainda aquelas que se devem ao acaso; essas são as melhores. Acredite em mim: esperemos uma oportunidade, e se essa oportunidade se apresentar, aproveitemo-la.
- O senhor pôde esperar - observou Dantès suspirando. - Esse longo trabalho era para si uma ocupação de todos os instantes e quando não tinha o seu trabalho para se distrair tinha as suas esperanças para se confortar.
- Bom, não me ocupava só disso.
- Que mais fazia?
- Escrevia ou estudava.
- Davam-lhe papel, penas e tinta?
- Não, mas eu fazia-os - respondeu o abade.
- O senhor... o senhor faz papel, penas e tinta?! - exclamou Dantès.
- Faço.
- Dantès olhou para aquele homem com admiração.
Simplesmente, tinha ainda dificuldade em acreditar no que ele dizia. Faria notou essa ligeira dúvida.
- Quando for à minha cela - disse-lhe o abade -, mostrar-lhe-ei uma obra completa, resultado dos pensamentos, das investigações e das reflexões de toda a minha vida, que meditei à sombra do Coliseu de Roma: ao pé da Coluna de S. Marcos, em Veneza; nas margens do Arno, em Florença, etc., e que estava quase certo de que um dia os meus carcereiros me deixariam tempo para executar entre as quatro paredes do Castelo de If. É um Tratado sobre a Possibilidade de Uma Monarquia Geral na Itália. Dará um grande volume inquarto.
- E como o escreveu? - Em duas camisas. Inventei um preparado que torna o pano liso e compacto como o pergaminho.
- É portanto químico?
- Um pouco. Conheci Lavoisier e Cabanis.
- Mas para escrever semelhante obra precisou de proceder a investigações históricas. Tinha livros para isso?
- Em Roma, tinha cerca de cinco mil volumes na minha biblioteca. À força de os ler e reler, descobri que com cento e cinquenta obras bem escolhidas se obtém, senão o resumo completo dos conhecimentos humanos, pelo menos tudo o que é útil a um homem saber. Dediquei três anos da minha vida a ler e reler esses cento e cinquenta volumes, de forma que já os sabia pouco mais ou menos de cor quando fui preso. Na prisão, com um ligeiro esforço de memória, recordei-os por completo. Assim, poderia citar-lhe Tucídides, Xenofonte, Plutarco, Tito Lívio, Tácito, Estrada, Jornandes, Dante, Montaigne, Shakespeare, Espinosa, Maquiavel e Bossuct. E só lhe cito os mais importantes.
- Mas então sabe várias línguas?