O Conde de Monte Cristo - Cap. 17: A cela do abade Pág. 130 / 1080

Atrás da cabeceira, oculto por uma pedra que o fechava com uma hermeticidade quase perfeita, havia um buraco, e nesse buraco uma escada de corda de vinte e cinco a trinta pés de comprimento.

Dantès examinou-a. Era de uma solidez a toda a prova.

- Quem lhe forneceu a corda necessária a este trabalho maravilhoso? - perguntou Dantès.

- Primeiro, utilizei algumas camisas que possuía; depois, os lençóis da minha cama, que desfiei durante os três anos de cativeiro em Fenestrelle. Quando me transferiram para o Castelo de If encontrei maneira de trazer comigo esses fios e continuei aqui o trabalho.

- E nunca descobriram que os lençóis da sua cama não tinham bainha?

- Voltava a fazê-la.

- Com quê?

- Com esta agulha.

E o abade abriu um farrapo do seu vestuário e mostrou a Dantès uma haste comprida, aguçada e ainda enfiada, que trazia consigo.

- Sim - continuou Faria -, primeiro pensei em descravar esses varões e fugir pela janela, que é um bocadinho mais larga do que a sua, como vê, e que teria alargado mais no momento da minha evasão. Mas descobri que a janela dava para o pátio interior e renunciei ao meu projecto por ser demasiado arriscado. No entanto, conservei a escada para uma circunstância imprevista, para uma dessas evasões de que lhe falei e que o acaso proporciona.

Embora parecesse examinar a escada, Dantès pensava desta vez noutra coisa. Atravessara-lhe o espírito uma ideia. Aquele homem tão inteligente, tão engenhoso, tão profundo, talvez visse claro nas trevas da sua própria desgraça, onde ele mesmo nunca conseguira distinguir fosse o que fosse.

- Em que pensa? - perguntou-lhe o abade sorrindo e tomando o absorvimento de Dantès por uma admiração levada ao mais alto grau.

- Antes de mais nada penso numa coisa: na soma enorme de inteligência que teve de despender para atingir o fim que se propusera. Que não faria portanto livre?

- Nada, talvez. Esse extravasamento do meu cérebro evaporar-se-ia em futilidades. É necessário sermos tocados pela desgraça para escavarmos certas minas misteriosas ocultas na inteligência humana; é necessário haver pressão para fazer explodir a pólvora. O cativeiro concentrou num só ponto todas as minhas faculdades que pairavam por aqui e por aí. Entrechocaram-se num espaço acanhado e, como sabe, de choque das nuvens resulta a electricidade da electricidade o relâmpago e do relâmpago a luz.

- Não, não sei nada - disse Dantès, abatido pela sua ignorância. - Parte das palavras que profere são para mim palavras vazias de sentido. Não calcula como é feliz por ser assim tão sábio!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069