Capítulo XLIV - A «vendetta»- Por onde deseja que comece, Sr. Conde? -perguntou Bertuccio.
- Por onde quiser - respondeu Monte-Cristo -, pois não sei absolutamente nada.
- Mas eu julgava que o Sr. Abade Busoni dissera a V. Ex.a...
- Sim, contou-me alguns pormenores, sem dúvida, mas já passaram sete ou oito anos e esqueci tudo isso.
- Então posso, sem receio de aborrecer V. Ex.a...
- Vamos, Sr. Bertuccio, vamos! Servir-me-á de jornal da noite...
- O caso remonta a 1815
- Ah, ah, não se pode dizer que foi ontem, 1815! - exclamou Monte-Cristo.
- Não, senhor, e no entanto tenho tão presentes na memória os mais pequenos pormenores como se estivéssemos apenas no dia seguinte. Eu tinha um irmão mais velho, que estava ao serviço do imperador. Tinha o posto de tenente num regimento constituído inteiramente por corsos. Esse irmão era o meu único amigo. Tínhamos ficado órfãos, eu aos cinco anos e ele aos dezoito, e ele criara-me como se fosse seu filho. Em 1814, no tempo dos Bourbons, ele casou-se. O imperador regressou da ilha de Elba, o meu irmão voltou imediatamente ao serviço e, ferido ligeiramente em Waterloo, retirou-se com o Exército para lá do Loire.
- Mas o que me está a contar é a história dos Cem Dias, Sr. Bertuccio, e essa já está contada, se me não engano - observou o conde.
- Desculpe, Excelência, mas estes primeiros pormenores são necessários e o senhor prometeu-me ser paciente.
- Continue! Continue! Só tenho uma palavra.
- Um dia recebemos uma carta. Devo dizer-lhe que residíamos na aldeiazinha de Rogliano, na extremidade do cabo Corso. A carta era do meu irmão. Dizia-nos que o Exército fora desmobilizado e que regressava por Châteauroux, Clermond- Ferrand, Le Puy e Nímes. Pedia-me que no caso de dispor de algum dinheiro lho mandasse para Nímes, ao cuidado de um estalajadeiro nosso conhecido, com o qual eu mantinha certas relações.
- De contrabando - acrescentou Monte-Cristo.
- Meu Deus, Sr. Conde, é preciso viver!
- Decerto. Continue.
- Eu gostava muito do meu irmão, como já lhe disse, Excelência. Por isso, resolvi não lhe mandar o dinheiro, mas sim levar-lho eu mesmo. Possuía um milhar de francos, deixei quinhentos a Assunta, a minha cunhada, peguei nos outros quinhentos e pus-me a caminho de Nímes. Era coisa fácil, pois tinha a minha barca e um carregamento para transportar. Tudo secundava o meu projecto. Mas uma vez a barca carregada, começaram a soprar ventos contrários e estivemos quatro ou cinco dias sem poder entrar no Ródano.