O Conde de Monte Cristo - Cap. 45: A chuva de sangue Pág. 447 / 1080

«Depois, correu ao armário, donde tirou as notas e o ouro, meteu umas no bolsinho das calças e o outro na algibeira da jaqueta, pegou em duas ou três camisas, correu para a porta e desapareceu na escuridão. Então tudo se tornou claro e lúcido para mim e censurei-me pelo que acabava de acontecer como se fosse o verdadeiro culpado. Pareceu-me ouvir gemidos. O pobre joalheiro podia não estar morto. Talvez estivesse na minha mão, socorrendo-o, reparar parte do mal, não que eu cometera, mas sim que deixara cometer. Apoiei os ombros numa das tábuas mal juntas que separavam a espécie de cubículo em que me encontrava deitado da sala inferior, as tábuas cederam e entrei na cozinha.

«Corri para a vela e depois para a escada. Havia um corpo atravessado nela; era o cadáver da Carconte.

«O tiro de pistola que ouvira fora disparado contra ela. Tinha a garganta atravessada de lado a lado e, além do sangue que lhe jorrava desse duplo ferimento, também bolsava muito pela boca. Estava morta. Saltei por cima do seu corpo e passei.

«O quarto oferecia o aspecto da mais horrível desordem. Dois ou três móveis estavam caídos. Os lençóis, aos quais o infeliz joalheiro se agarrara, arrastavam pelo chão. Ele próprio estava caído no sobrado, com a cabeça encostada à parede, no meio de um mar de sangue que lhe brotava de três grandes ferimentos no peito.

«No quarto tinha cravada uma grande faca de cozinha, de que só se via o cabo.

«Observei a segunda pistola, que não disparara, provavelmente por a pólvora estar molhada.

«Aproximei-me do joalheiro; não estava morto, efectivamente.

Devido ao barulho que fiz, e sobretudo ao estremecimento do sobrado, abriu uns olhos alucinados, que conseguiu fixar um instante em mim, agitou os lábios como se quisesse falar e expirou.

«Aquele medonho espectáculo quase me pusera louco. Mas desde o momento em que não podia socorrer ninguém, só uma coisa me preocupava: fugir. Precipitei-me para a escada e enquanto a descia enterrava as mãos nos cabelos e soltava rugidos de terror.

«Na sala de baixo encontravam-se cinco ou seis guardas-fiscais e dois ou três gendarmes, um autêntico exército armado.

«Prenderam-me. Nem sequer tentei opor resistência; já não era senhor dos meus sentidos. Procurei falar, mas apenas soltei alguns gritos inarticulados.

«Vi que os guardas-fiscais e os gendarmes me apontavam a dedo uns aos outros; olhei para mim mesmo e verifiquei que estava todo coberto de sangue. A chuva morna que sentira cair sobre mim através das tábuas da escada era o sangue da Carconte.

«Indiquei com o dedo o sitio onde estivera escondido.

«- Que quer dizer? - perguntou um gendarme.

«Um guarda-fiscal foi ver.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069