O Conde de Monte Cristo - Cap. 48: Ideologia Pág. 481 / 1080

- Então, Sr. Conde, admiro-o - declarou Villefort, que pela primeira vez neste estranho diálogo empregava esta fórmula aristocrática para com o estrangeiro que até ali só tratara por senhor. - Sim, digo-lhe que se é realmente forte, realmente superior, realmente santo ou impenetrável, o que, tem razão significa pouco mais ou menos o mesmo, seja sublime, senhor. E a lei das dominações. Mas tem com certeza uma ambição qualquer?

- Tenho uma, senhor.

- Qual?

- Também eu, como acontece a qualquer homem uma vez na vida, fui levado por Satanás para a mais alta montanha da Terra. Chegado lá, ele mostrou-me o mundo inteiro e, como dissera uma vez a Cristo, disse-me a mim «Vejamos, filho dos homens, que queres para me adorar?» Reflecti longamente, porque havia muito tempo uma terrível ambição me devorava efectivamente o coração. Depois respondi - «Escuta, sempre ouvi falar da Providência, e no entanto nunca a vi, nem nada que se lhe parecesse, o que me leva a crer que não existe. Quero ser a Providência, porque o que conheço de mais belo, de maior e de mais sublime no mundo é recompensar e punir.» Mas Satanás baixou a cabeça e suspirou: «Enganas-te», disse, «a Providência existe. Somente não a vês porque, filha de Deus, é invisível como o seu pai. Nunca viste nada que se lhe assemelhasse, porque ela utiliza meios ocultos e caminha por vias indefinidas. Tudo o que posso fazer por ti é tornar-te um dos agentes dessa Providência.» Fechou-se o negócio. Talvez perca nele a minha alma, mas não importa - declarou Monte-Cristo.

- E se tivesse de fazer novamente o negócio, fá-lo-ia.

Villefort olhava Monte-Cristo com sublime espanto.

- O Sr. Conde tem família? - perguntou.

- Não, senhor, estou só no mundo.

- É pena!

- Porquê? - perguntou Monte-Cristo.

- Porque poderia ver um espectáculo capaz de quebrar o seu orgulho. Só teme a morte, diz o senhor?

- Não digo que a temo, digo que só ela me pode deter.

- E a velhice?

- A minha missão será cumprida antes de chegar a velho.

- E a loucura?

- Estive quase a enlouquecer, e o senhor conhece o axioma: non bis in idem. É um axioma criminal e portanto da sua especialidade.

- Senhor - prosseguiu Villefort -, há ainda outra coisa a temer, além da morte, da velhice ou da loucura; há, por exemplo, a apoplexia, esse raio que nos fere sem nos destruir, e depois do qual, no entanto, tudo acaba. Continuamos a ser nós e todavia já não somos nós. Como Ariel, éramos quase um anjo; de um momento para o outro passamos a ser uma massa inerte que, como Calibão, muito se assemelha ao animal.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069