- Oh! - exclamou Caderousse, aterrado. - Se não fossem esses cabelos negros, diria que era o inglês, diria que era Lorde Wilmore.
- Não sou nem o abade Busoni nem Lorde Wilmore - disse Monte-Cristo. - Olha melhor, olha para mais longe, olha para as tuas primeiras recordações.
Havia nestas palavras do conde uma vibração magnética, que pela derradeira vez reavivou os sentidos exaustos do miserável.
- Oh, de facto parece-me que já o vi, que o conheci noutros tempos!...
- Sim, Caderousse, sim, viste-me; sim, conheceste-me.
- Mas afinal quem é o senhor? E porquê, se já me vira e conhecera, porque me deixa morrer?
- Porque nada te pode salvar, Caderousse; porque os teus ferimentos são mortais. Se pudesses ser salvo, eu veria nisso a última misericórdia do Senhor e teria mais uma vez, juro-te pela sepultura do meu pai, tentado restituir-te à vida e ao arrependimento.
- Pela sepultura do teu pai!... - exclamou Caderousse, reanimado por uma suprema centelha e soerguendo-se para ver mais de perto o homem que acabava de lhe fazer aquele juramento sagrado para todos os homens. - Eh! Quem és tu?
O conde acompanhara até ali os progressos da agonia. Compreendeu que aquele ímpeto de vida era o último. Aproximou-se do moribundo e, envolvendo-o num olhar calmo e triste, disse-lhe ao ouvido.
- Eu sou...
E os seus lábios, apenas entreabertos, deram passagem a um nome pronunciado tão baixo que o próprio conde parecia recear ouvi-lo.
Caderousse, que se erguera nos joelhos, estendeu os braços, fez um esforço para recuar e depois, juntando as mãos e levantando-as num esforço supremo, disse:
- Oh, meu Deus, perdão por Te ter renegado! Existes e és bem o pai dos homens no céu e o seu juiz na Terra. Meu Deus, Senhor, ignorei-te durante tanto tempo! Meu Deus, Senhor, perdoa-me! Meu Deus, Senhor, recebe-me!
E Caderousse fechou os olhos e caiu para trás, com um último grito e um último suspiro.
O sangue parou imediatamente nos lábios das suas enormes feridas.
Estava morto.
- Um! - disse misteriosamente o conde, de olhos postos no cadáver já desfigurado por aquela morte horrível.
Dez minutos depois chegaram o médico e o procurador régio, trazidos um pelo porteiro e o outro por Ali, e foram recebidos pelo abade Busoni, que rezava junto do morto.