O Conde de Monte Cristo - Cap. 90: O duelo Pág. 857 / 1080

- Ela lembrou-se que tinha um filho - disse - e eu esqueci-me que tinha uma filha!

Depois, abanando tristemente a cabeça:

- Pobre Haydée! Quis-me ver, quis-me falar, teve medo ou adivinhou qualquer coisa... Oh, não posso partir sem lhe dizer adeus, não posso morrer sem a confiar a alguém! E voltou devagarinho para o seu lugar e escreveu por baixo das primeiras linhas:

Lego a Maximilien Morrel, capitão de sipaios e filho do meu antigo patrão, Pierre Morrel, armador em Marselha, a quantia de vinte milhões, parte da qual deverá oferecer a sua irmã Julie e a seu cunhado Emmanuel se não achar este acréscimo de fortuna prejudicial à sua felicidade. Estes vinte milhões estão escondidos numa gruta de Monte-Cristo de que Bertuccio conhece o segredo.

Se o seu coração estiver livre e ele quiser casar com Haydée, filha de Ali, paxá de Janina, que criei com o amor de um pai e que tem por mim a ternura de uma filha, cumprirá não direi a minha última vontade mas o meu último desejo.

O presente testamento institui já Haydée herdeira do remanescente da minha fortuna, que consiste em terras arrendadas na Inglaterra, na Áustria e na Holanda e em mobiliário nas minhas diversas casas e palácios e que estes vinte milhões, bem como os diversos legados feitos aos meus servidores, poderão elevar-se ainda a sessenta milhões.

Acabava de escrever estas últimas linhas quando um grito soltado atrás dele lhe fez cair a pena da mão.

- Haydée! - exclamou. - Leu?...

Com efeito, a jovem acordada pela luz do dia que lhe ferira as pálpebras, levantara-se e aproximara-se do conde sem que os seus passos leves, abafados pelo tapete, fossem ouvidos.

- Oh, meu senhor, porque escreve assim a estas horas? - perguntou, juntando as mãos. - Porque me lega toda a sua fortuna, meu senhor? Vai-me deixar?

- Vou fazer uma viagem, querido anjo - respondeu Monte-Cristo com uma expressão de melancolia e ternura infinitas -, e se me acontecer alguma coisa...

O conde deteve-se.

- E então?... - perguntou a jovem num tom autoritário que o conde lhe não conhecia e que o fez estremecer.

- E então... se me acontecer alguma coisa - repetiu o conde -, quero que a minha filha seja feliz.

Haydée sorriu tristemente e abanou a cabeça.

- Pensa em morrer, meu senhor? - inquiriu.

- É um pensamento salutar, minha filha, ditado pela prudência.

- Pois bem, se morrer, legue a sua fortuna a outros, porque se morrer... não precisarei de mais nada.

E pegando no papel, rasgou-o em quatro partes, que atirou para o meio da sala. Depois, como se esta energia tão pouco habitual numa escrava lhe tivesse esgotado as forças, caiu, não já adormecida desta vez, mas sim desmaiada no parque.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069