- Escuta, Louise: horroriza-me esta vida de sociedade, ordenada, compassada, pautada como o nosso papel de música. O que sempre desejei. ambicionei, quis, foi a vida de artista, a vida livre, independente, onde cada um só depende de si, onde só tem de dar contas a si próprio. Ficar para quê? Para daqui a um mês tentarem voltar a casar-me? E com quem? Talvez com o Sr. Debray, como se chegou a aventar. Não, Louise; não, a aventura desta noite servir-me-á de pretexto. Não o procurei, nem o pedi; Deus manda-me este e é bem-vindo.
- Como és forte e corajosa! - exclamou a loura e frágil rapariga à sua morena companheira.
- Ainda não me conheces? Vamos, Louise, tratemos das nossas coisas. A carruagem de posta...
- Comprámo-la sem dificuldade há três dias.
- Mandaste levá-la para onde a devemos tomar?
- Mandei
- O nosso passaporte?
- Ei-lo! Eugénie desdobrou um papel e leu, com a sua arrogância habitual: “Sr. Léon de Armilly, de vinte anos, de profissão artista, cabelos pretos, olhos pretos, que viaja com sua irmã...”
- Óptimo! Por intermédio de quem arranjaste este passaporte?
- Quando fui pedir ao Sr. de Monte-Cristo cartas para os directores dos teatros de Roma e Nápoles, exprimi-lhe os meus receios de viajar como mulher. Ele compreendeu-os perfeitamente e pôs-se à minha disposição para me arranjar um passaporte de homem, e dois dias depois recebi este, ao qual acrescentei pelo meu punho: «... que viaja com a sua irmã»
- Pronto, agora trata-se apenas de fazer as malas! - exclamou alegremente Eugénie. - Partimos na noite da assinatura do contrato em vez de partirmos na noite do casamento; é a única alteração.
- Pensa bem, Eugénie...
- Oh, já pensei! Estou cansada de ouvir falar de prorrogações, de fins de mês, e alta, de baixa, de fundos espanhóis, de papel haitiano. Em vez disso, Louise, compreendes, o ar, a liberdade, o canto dos passarinhos, as planícies da Lombardia, os canais de Veneza, os palácios de Roma, a praia de Nápoles.
Quanto temos? A jovem Louise tirou de uma secretária entalhada uma carteirinha com fechadura, abriu-a e contou vinte e três notas de mil.
- Vinte e três mil francos - informou.
- E outro tanto, pelo menos, em pérolas, diamantes e jóias - disse Eugénie. - Estamos ricas! Com quarenta e cinco mil francos temos para viver como princesas durante dois anos, ou razoavelmente durante quatro. Mas antes de seis meses, tu com a tua música e eu com a minha voz duplicaremos o nosso capital. Vamos, encarrega-te do dinheiro que eu encarrego-me do cofre das jóias. Assim, se uma tiver a pouca sorte de perder o seu tesouro, a outra terá o seu. Agora a mala.