Despachemo-nos, a mala!
- Espera - pediu Louise, indo escutar à porta da Sr.ª Danglars.
- Que receias?
- Que nos surpreendam.
- A porta está fechada.
- Que nos mandem abri-la.
- Pois que mandem; não a abriremos!
- És uma autêntica amazona, Eugénie!
E as duas jovens começaram com prodigiosa actividade, a meter numa mala todos os objectos de viagem de que julgavam necessitar.
- Agora - disse Eugénie -, enquanto mudo de roupa, fecha a mala.
Louise carregou com toda a força das suas mãozinhas brancas na tampa da mala.
- Não posso! - exclamou. - Não tenho força suficiente. Fecha-a tu.
- Ah, tens razão! - redarguiu Eugénie, rindo. - Já me esquecia de que sou Hércules e tu apenas a pálida Ônfale.
E a jovem apoiou o joelho na mala e retesou os braços brancos e musculosos até os dois compartimentos da mala se juntarem e Mademoiselle de Armilly enfiar o cadeado.
Terminada esta operação, Eugénie abriu uma cómoda de que tinha a chave e tirou uma manta de viagem de seda acolchoada.
- Toma - disse. - Como vês, pensei em tudo. Com esta manta não terás frio.
- E tu?
- Oh, eu nunca tenho frio, bem sabes! De resto, vestida de homem...
- Vais-te vestir aqui?
- Claro.
- E terás tempo?
- Não tenhas medo, poltrona! Todo o pessoal está ocupado com o grande escândalo. Aliás, que tem de extraordinário, quando se pensa no desespero em que devo estar, que me tenha fechado?
- Nada, é verdade. Tranquilizas-me.
- Anda, vem ajudar-me.
E da mesma gaveta donde tirara a manta que acabava de dar a Mademoiselle de Armilly e que esta já pusera pelos ombros, tirou um fato de homem completo, desde as botinas até à sobrecasaca, bem como uma provisão de roupa branca, onde não havia nada de supérfluo, mas onde se encontrava o necessário.
Então, com um desembaraço indicativo de que não era decerto a primeira vez que, por brincadeira, vestia as roupas do outro sexo, Eugénie calçou as botinas, vestiu as calças, deu o laço na gravata, abotoou até ao pescoço o colete alto e envergou uma sobrecasaca que lhe desenhava a cintura fina e arqueada.
- Oh, estás muito bem! Sinceramente, estás muito bem! - exclamou Louise, olhando-a com admiração. - Mas esses belos cabelos negros, essas tranças magníficas que faziam suspirar de inveja todas as mulheres, caberão num chapéu de homem como esse que vejo aí?
- Já vais ver - respondeu Eugénie.
E agarrando com a mão esquerda a trança grossa, na qual os seus longos dedos mal conseguiam fechar-se, pegou com a mão direita numa grande tesoura, e em breve o aço rangeu no meio da rica e esplêndida cabeleira, que caiu inteirinha aos pés da rapariga, inclinada para trás para não deixar cabelos na sobrecasaca.