Calafrio - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 12 / 164

No entanto, era reconfortante saber que não podia existir nada de estranho relativo a uma coisa tão angelical quanto a imagem radiante da minha pequena pupila, cuja beleza por certo contribuía de forma decisiva para a inquietação que, antes mesmo do nascer do dia, de mim se apoderou e me fez levantar varias vezes e percorrer o quarto para apreender de uma vez por todas o cenário que me era dado contemplar. Acabei por dirigir-me para a janela, que se encontrava aberta, e d ú observar o amanhecer de mais um dia de Verão. Examinei todos os ângulos daquela casa adormecida que o meu olhar conseguia abarcar e, à luz pálida da aurora, escutei o canto das primeiras aves, ao mesmo tempo que tentava descobrir a proveniência, e talvez aguardar a repetição, de um ou dois sons pouco naturais, os quais, pelo menos assim me pareceu, haviam partido do interior da casa, não do exterior. Houve mesmo um momento em que julguei ter distinguido, ténue e distante, um grito de criança, ao passo que, numa outra altura, quase poderia jurar que o ruído abafado de passas ecoava pelo corredor. Porém, estas fantasias não chegaram a adquirir qualquer substancia e acabei por esquecê-las. Se hoje as recordo, tal fica a dever-se a todo o que veio a suceder depois. Cuidar, educar, roer lares a pequena Flora: eis os condimentos para uma vida diz e feliz. Havia ficado combinado entre mim e Mrs. Grose que, na noite seguinte, eu mesma me ocuparia da criança, dai que a sua pequena cama branca se encontrasse já num dos cantos do quarto por mim ocupado. O cargo que aceitara implicava ocupar-me de Flora a tempo inteiro, e o facto de a garota ainda ter dormido junto a Mrs. Grose ficara a dever-se à minha inevitável falta de à-vontade e à timidez natural da minha pupila. No entanto, e apesar desta timidez (que a própria criança, de um modo deveras estranho, assumira com valentia e naturalidade, consentindo que a mesma fosse discutida na sua presença sem se perturbar, mas revelando a serenidade e a doçura de um anjo pintado por Rafael) eu estava convencida de que ela acabaria por gostar de mim.





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