Calafrio - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 126 / 164

— Santo Deus! — voltou a minha amiga a exclamar. A forma como eu pensava era demasiado complexa para ela. Mas fê-la seguir atrás de mim por um carreiro tortuoso e coberto de vegetação, como que arrastada por uma força invisível. Quando nos encontrávamos sensivelmente a meio do caminho, parei para que a mulher pudesse recuperar a respiração. Estendi-lhe um braço amigo e garanti-lhe que a sua presença ali me seria de grande ajuda. Posto isto, retomamos a caminhada, e, passados alguns minutos, acabamos por descobrir o barco escondido precisamente naquele ponto onde me parecia lógico que estivesse. Fora ali deixado tão bem escondido quanto possível, encontrando-se amarrado a uma das estacas da vedação que também serviam para facilitar o desembarque. Descobri ainda um par de remos, pequenas e grossos, muito bem guardados dentro da embarcação, o que me fez reconhecer o quanto toda aquela aventura tinha de prodigioso para uma criança pequena. Porém, já há muito que vivia entre prodígios, daí que poucas coisas tivessem capacidade de me espantar. Havia uma portinhola na vedação, e foi por ai que avançamos, acabando por desembocar numa clareira.

— Lá está ela! — exclamamos as duas, quase ao mesmo tempo.

Flora estava parada a alguns metros de distancia e sorria, como se quisesse dizer que a sua representação estava completa. Contudo, quase no momento seguinte — como se tivesse sido para isso mesmo que ali se deslocara — ela baixou-se e arrancou um feixe de fetos secos. Aquilo levou-me a compreender que a garota acabara de sair do maciço de vegetação e ficara à nossa espera, imóvel, sem dar um passo. E percebi a rara solenidade com que dela nos aproximávamos. Enquanto isso, ela não deixava de sorrir, mas o silêncio que nos rodeava era claramente ominoso. Mrs. Grose foi a primeira a quebrar o feitiço: deixou-se cair de joelhos e, puxando a criança contra o peito, abraçou com força aquele corpinho pequeno e frágil.





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