Enquanto durou esta espécie de convulsão surda, nada pude fazer para além de contemplar o espectáculo, o que fiz com redobrada atenção quando vi que o rosto da pequena Flora me espreitava sobre o ombro da minha amiga. A sua expressão era agora muito seria — a chama abandonara-o por completo — mas agravou a inveja que nesse momento senti de Mrs. Grose, pela forma simples com que se relacionava com ela. Ainda assim, o certo é que naquele espaço de tempo nada se passou entre nós para além do facto de Flora deixar cair aquele feto ridículo. Aquilo que, sem palavras, havíamos comunicado uma à outra era que, entre nós, as desculpas já não faziam qualquer sentido. Quando Mrs. Grose se ergueu, continuava a segurar a garota pela mão, daí que as duas ficassem na minha frente. As reticências que marcavam o nosso encontro agravaram-se com o ar franco que Flora me lançou. «Prefiro morrer a dizer seja o que for!>, dizia.
Contudo, foi Flora quem, com a expressão mais cândida do mundo, se resolveu a quebrar o silêncio. O facto de estarmos sem chapéu chamou-lhe a atenção.
— Onde é que estão as vossas coisas?
— E onde é que estão as suas, querida?! — retorqui eu quase no mesmo
instante.
A rapariguinha parecia ter recuperado a alegria, e tudo levava a crer que aquela espécie de resposta lhe bastava.
— E onde é que está o Miles? — quis ela saber.
Havia ali algo que me fez concluir ter chegado a hora. Aquelas últimas palavras funcionaram como a gota de água que fez transbordar a taça que, ao longo de várias semanas, eu segurava entre as mãos.
— Eu digo-lhe, se me disser... — ouvi-me começar.
— O quê?
Mrs. Grose fitava-me, espantada, mas era tarde de mais. Revelando uns modos perfeitos, inquiri:
— Querida, onde é que está Miss Jessel?