Calafrio - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 26 / 164

E as coisas assim ficaram durante algum tempo: tempo de tal forma preenchido que, quando quero recorda-lo, preciso de esforçar-me para o fazer com clareza. Aquilo que hoje me causa mais espanto prende-se justamente com a situação que acabara de aceitar. Juntamente com a minha companheira, comprometera-me a tratar de tudo, e 0 certo é que me encontrava como que debaixo de um feitiço que parecia ocultar as verdadeiras dimensões e dificuldades de semelhante projecto. Encontrava-me envolta numa vaga onde a paixão se misturava à piedade. Devido à minha ignorância, confusão, talvez mesmo vaidade, parti do principio que era fácil cuidar de um rapaz cuja educação em termos mundanos estava prestes a começar. Ainda hoje sou incapaz de recordar-me da proposta por mim traçada no sentido de, assim que as férias terminassem, o fazer recomeçar os estudos. Uma coisa era certa, e neste ponto todos pareciam estar de acordo: durante o Verão, seria eu que me encarregaria de dar aulas a Miles. Contudo, hoje sinto que, durante várias semanas, quem aprendeu alguma coisa fui eu. Assim, e pelo menos ao principio, aprendi algo que nunca me fora ensinado no decorrer da minha vida simples e calma, ou seja, a divertir-me e a contribuir para que os outros se divertissem, e a não pensar no amanha. De certa forma, aquela era a primeira vez que eu gozava de espaço; ar e liberdade, de todas as melodias do Verão e de todos os mistérios da natureza. E depois era respeitada, considerada, algo que me era particularmente doce. Oh, era como uma armadilha — não propositada, reconheço-o, mas, ainda assim, profunda — para a minha imaginação, a minha delicadeza, talvez mesmo a minha vaidade; em suma, para tudo o que em mim com maior facilidade se inflamava. A melhor forma de descrever a situação talvez seja dizer estar eu totalmente desacautelada. Aqueles garotos davam-me tão pouco trabalho e eram de uma doçura tão extraordinária! Costumava especular um pouco — se bem que estas especulações carecessem de coerência — a respeito da forma como o futuro (pois não é verdade que todos os futuros são duros?) os trataria, acabando por magoá-los de um modo ou de outro.





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