Calafrio - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 29 / 164

O facto provocou em mim uma surpresa tal, que, ainda hoje, não existe nada capaz de me causar tamanha impressão. Um homem desconhecido num local isolado é, sem dúvida, um objecto a recear por uma jovem habituada quase à reclusão; e a figura que me encarava (e bastaram alguns segundos para que de tal me pudesse certificar), não só não correspondia à imagem por mim tão esperada, como não apresentava qualquer semelhança com nenhuma outra pessoa das minhas relações. Não o vira em Harley Street — não o vira em lugar nenhum. Como se isto não bastasse, o lugar transformara-se, estranhamente, de um momento para o outro, no ponto mais solitário do mundo. E enquanto tento descrever o que sucedeu com uma deliberação que até aqui não conhecera, vejo-me invadida pelo mesmíssimo sentimento. Foi como se, ao aperceber-me daquela presença, tudo o mais se deixasse sucumbir face a uma morte súbito. Enquanto escrevo, sinto ainda o modo como os sons característicos do anoitecer se viram abafados de um momento para o outro. As gralhas cessaram de grasnar, suspensas no dourado do céu, e, em menos de um minuto, aquela hora tão doce como que emudeceu. Porém, o certo é que não se verificou qualquer outro tipo de mudança nos elementos naturais, a não ser que constituísse uma mudança o facto de eu começar a ver com uma particular precisão. O céu continuava pintado de tons de ouro, o ar apresentava a limpidez do costume e o homem que me fitava a partir do torreão assumira os contornos nítidos de uma tela quando colocada numa moldura e suspensa na parede. Com uma rapidez assombrosa, dei por mim a pensar em todas as pessoas que ele poderia ser mas que não era. A distancia que nos separava era suficientemente grande para me interrogar a respeito da sua identidade e a sentir, perante a minha incapacidade de encontrar uma resposta, um espanto que, breves segundos depois, se tornou mais intenso.

Sei perfeitamente que a questão principal, ou uma das principais, se prende com a duração do episódio. Pela parte que me toca, e pode pensar o que quiser, o episódio durou o tempo suficiente para que eu pudesse ponderar uma série de possibilidades (nenhuma das quais de importância significativa, reconheço-o) quanto ao facto de ter estado naquela casa — e, afinal, durante quanto tempo? — uma pessoa a respeito de quem eu nada sabia.





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