Um Caso Tenebroso - Cap. 6: VI - FISIONOMIAS REALISTAS NO TEMPO DO CONSULADO Pág. 56 / 249

Se o prendessem, aquele pobre homem ter-se-ia deixado prender, não dispararia sobre os guardas municipais, e na maior serenidade caminharia até ao cadafalso.

As suas três mil libras de renda vitalícia, seu único recurso, tinham-no- impedido de emigrar. Obedecia, pois, ao governo de facto, sem deixar de amar a família real e de desejar o seu restabelecimento no trono; todavia ter-se-ia recusado a comprometer-se participando numa tentativa de rebelião a favor dos Bourbons. Fazia parte dessa porção de realistas que eternamente ficaram a lembrar-se terem sido vencidos e roubados; que, desde então, quedaram mudos, económicos, rancorosos, sem energia, mas incapazes de uma abjuração ou de qualquer sacrifício; prontos a saudar a realeza triunfante, amigos da religião e dos padres, mas decididos a suportar todas as afrontas da desgraça. Não se trata já de ter uma opinião, mas de se ser teimoso. A acção é a essência dos partidos.

Nada inteligente, mas leal,/ avaro como um aldeão, e no entanto nobre nas suas maneiras, ousado nos seus votos, mas discreto em palavras e actos, tirando partido de tudo, e pronto a deixar que o nomeassem maire de Cinq-Cygne, o Senhor de Hautese representava admiravelmente esses dignos gentis-homens, em cuja fronte Deus escreveu a palavra traças, que deixariam passar por cima dos seus solares e das suas cabeças as tempestades da Revolução, que ressurgiriam durante a Restauração ricos, graças às suas economias escondidas, orgulhosos duma dedicação discreta, e que depois de 1830 regressariam de novo às suas terras. O seu trajo, invólucro expressivo desse carácter, pintava o homem e o tempo. O Senhor de Hauteserre envergava uma dessas opa landas cor de avelã, de gola curta, à moda desde que o duque de Orleães regressara de Inglaterra, e as quais, durante a Revolução, foram como que a transição entre o horrível trajo popular e as elegantes sobrecasacas da aristocracia.





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