- Sim, mas o seu pai morreu-lhe nos braços, amado, feliz, respeitado, rico, vergado ao peso dos anos, ao passo que o pai dele morrera pobre, desesperado, duvidando de Deus; e quando dez anos depois da sua morte o filho lhe procurou a sepultura, a sua própria sepultura desaparecera e ninguém lhe pôde dizer: «é aqui que repousa no Senhor o coração que tanto te amou.»
- Oh! - exclamou Morrel.
- Ele era portanto mais infeliz filho do que o senhor, Morrel, pois nem sequer sabia onde fora sepultado o pai.
- Mas - disse Morrel - restava-lhe a mulher que amara, ao menos.
- Engana-se, Morrel. Essa mulher...
- Também morrera? - atalhou Maximilien.
- Pior do que isso: fora infiel, casara com um dos perseguidores do noivo. Bem vê, Morrel, que esse homem era mais infeliz, como apaixonado, do que o senhor...
- E Deus mandou consolação a esse homem? - perguntou Morrel.
- Mandou-lhe pelo menos calma.
- E esse homem ainda poderá ser feliz um dia?
- Tem essa esperança, Maximilien.
O jovem deixou cair a cabeça para o peito.
- Tem a minha promessa - disse, após um instante de silêncio e estendendo a mão a Monte-Cristo. - Mas lembre-se...
- Em 5 de Outubro, Morrel, espero-o na ilha de Monte-Cristo.
Em 4, um iate esperá-lo-á no porto de Bástia; um iate chamado Eurus. Apresente-se ao patrão, que o levará junto de mim. Está combinado, não é verdade, Maximilien?
- Está combinado e farei o que está combinado. Mas lembre-se que em 5 de Outubro...
- Criança, que ainda não sabe o que é a promessa de um homem... Já lhe disse vinte vezes que nesse dia, se quiser morrer, até o ajudarei, Morrel. Adeus.
- Deixa-me? - Deixo. Tenho que fazer em Itália. Deixo-o sozinho, sozinho em luta com a desventura, sozinho com essa águia de asas poderosas que o Senhor envia aos seus eleitos para os transportar a seus pés. A história de Ganimedes não é uma fábula, Maximilien, é uma alegoria.
- Quando parte? - Imediatamente. O navio a vapor espera-me e daqui a uma hora já estarei longe de si. Acompanha-me até ao porto, Morrel?
- Estou às suas ordens, conde.
- Abrace-me.
Morrel acompanhou o conde até ao porto. O fumo já saía como um penacho imenso da chaminé negra que o lançava ao céu. Pouco depois o navio partiu, e uma hora mais tarde, como dissera Monte-Cristo, o mesmo penacho de fumo esbranquiçado raiava, quase invisível, o horizonte oriental, escurecido pelas primeiras neblinas da noite.