Foi por gostar de mim o suficiente para me dar uma dessas mortes de que me falava há pouco, uma morte sem agonia, uma morte que me permitirá morrer pronunciando o nome de Valentine e apertando a sua mão, conde?
- Sim, adivinhou, Morrel - respondeu o conde com simplicidade. - E é assim que eu a entendo.
- Obrigado. A ideia de que amanhã já não sofrerei é agradável ao meu pobre coração.
- Não leva saudades de ninguém? - perguntou Monte-Cristo.
- Não - respondeu Morrel.
- Nem mesmo de mim? - insistiu o conde, com profunda emoção.
Morrel deteve-se. Os seus olhos tão puros embaciaram-se de súbito; depois brilhou neles um relâmpago desusado e uma grossa lágrima brotou e rolou, deixando-lhe um sulco prateado na face.
- O quê, leva uma saudade da Terra e quer morrer?! - observou o conde.
- Suplico-lhe - pediu Morrel em voz fraca -, nem mais uma palavra, conde; não prolongue o meu suplício! O conde julgou que Morrel fraquejava.
Esta impressão momentânea ressuscitou em si a horrível dúvida já vencida uma vez no castelo de If
«Procuro», pensou, «restituir a felicidade a este homem e encaro essa restituição como um peso posto na balança para equilibrar o prato onde coloquei o mal. Mas se me enganasse, se este homem não fosse suficientemente infeliz para merecer a felicidade? Que seria de mim, que só posso esquecer o mal praticando o bem?»
- Escute, Morrel: a sua dor é enorme, bem vejo; mas no entanto você crê em Deus e não quer arriscar a salvação da sua alma...
Morrel sorriu tristemente.
- Conde, bem sabe que não faço poesia a frio; mas juro-lhe que a minha alma já não me pertence.
- Ouça, Morrel: não tenho nenhum parente no mundo, como sabe. Habituei-me a olhá-lo como um filho. Pois bem, para salvar o meu filho sacrificaria a vida e com mais forte razão a fortuna.
- Que quer dizer?
- Quero dizer, Morrel, que você quer deixar a vida porque não conhece todos os prazeres que a vida permite a uma grande fortuna. Morrel, possuo cerca de cem milhões; dou-lhos. Com semelhante fortuna, poderá alcançar todos os resultados que se propuser. É ambicioso? Todas as carreiras lhe estarão abertas. Revolva o mundo, mude-lhe a face, entregue-se a práticas insensatas, seja criminoso se for preciso, mas viva.
- Conde, tenho a sua palavra - respondeu friamente Morrel; e acrescentou, tirando o relógio: - São onze e meia.
- Morrel! Pensa morrer diante dos meus olhos, na minha casa?
- Então, deixe-me partir - redarguiu Maximilien sombriamente ou julgarei que não gosta de mim por mim, mas sim por si.