- Amigo, sinto que morro; obrigado.
Fez um esforço para lhe estender a mão pela última vez, mas a mão, sem força, caiu junto dele.
Então pareceu-lhe que Monte-Cristo sorria, não já com o seu riso estranho e assustador, que várias vezes lhe deixara entrever os mistérios daquela alma profunda, mas sim com a benevolente compaixão que os pais têm para com os filhos pequenos que fazem disparates.
Ao mesmo tempo, o conde cresceu a seus olhos; a sua figura, quase duas vezes mais alta, desenhava-se nas tapeçarias vermelhas. Atirara para trás os cabelos negros e surgia de pé e orgulhoso como um desses anjos com que se ameaçam os maus no dia do Juízo Final.
Vencido, dominado, Morrel caiu numa poltrona; um torpor suave insinuou-se-lhe nas veias. Uma mutação de ideias enriqueceu-lhe por assim dizer o cérebro, tal como uma nova disposição de desenhos enriquece o caleidoscópio.
Deitado, nervoso, arquejante, Morrel não sentia mais nada vivo em si do que esse sonho; parecia-lhe entrar a todo o pano no vago delírio que precede esse outro desconhecido chamado morte.
Tentou mais uma vez estender a mão ao conde, mas desta feita a mão nem sequer se mexeu; quis articular um supremo adeus, mas a língua enrolou-se-lhe pesadamente na boca, como uma pedra que fechasse um sepulcro.
Os seus olhos carregados de languidez fecharam-se, mal-grado seu. Contudo, atrás das pálpebras agitava-se uma imagem, que reconheceu apesar da escuridão que julgava envolvê-lo.
Era o conde que acabava de abrir uma porta.
Imediatamente uma imensa claridade que brilhava numa sala contígua, ou antes num palácio maravilhoso, inundou a sala onde Morrel se entregava à sua suave agonia. Então viu aparecer no limiar da sala, no limite dos dois aposentos, uma mulher de uma beleza maravilhosa.
Pálida e suavemente sorridente, parecia o anjo da misericórdia conjurando o anjo das vinganças.
- Será já o céu que se abre para mim? - murmurou o moribundo.
- Este anjo parece-se com o que perdi...
Monte-Cristo indicou com o dedo à jovem o sofá onde repousava Morrel.
Ela dirigiu-se para ele, de mãos postas e com um sorriso nos lábios.
- Valentine! Valentine! - gritou Morrel do fundo da alma.
Mas a sua boca não proferiu um som; e como se todas as suas forças estivessem unidas naquela emoção interior, suspirou e fechou os olhos.
Valentine precipitou-se para ele.
Os lábios de Morrel esboçaram ainda um movimento.
- Chama-a - disse o conde. - Chama-a do fundo do seu sono aquele a quem confiara o seu destino e de quem a morte a quis separar.