- Vi a barretina do soldado e a extremidade da espingarda e retirei-me precipitadamente com receio de que ele também me visse.
- E agora? - perguntou Dantès.
- Bem vê que é impossível fugir pela sua cela.
- Então... - continuou o rapaz, em tom interrogativo.
- Então - redarguiu o velho prisioneiro -, que seja feita a vontade de Deus! E uma expressão de profunda resignação espalhou-se pelo rosto do velhote.
Dantès olhou aquele homem que renunciava assim e com tanta filosofia a uma esperança alimentada havia tanto tempo.
Olhou-o com um espanto laivado de admiração.
- Quer agora dizer-me quem é? - perguntou Dantès.
- Oh, meu Deus, quero, se isso ainda lhe pode interessar; agora que já não posso ser-lhe útil em nada!
- Pode ser-me útil confortando-me e amparando-me, pois parece-me forte entre os fortes.
O abade sorriu tristemente.
- Sou o abade Faria - apresentou-se o prisioneiro - e desde que me encontro, como sabe, no Castelo de If. Mas primeiro estive três anos encerrado na Fortaleza de Fenestrelle. Em 1811 transferiram-me do Piemonte para França. Foi então que soube que o destino, que nessa época lhe parecia submisso, dera um filho a Napoleão e que esse filho fora designado no berço rei de Roma.
Estava longe de suspeitar então do que você me disse há pouco, isto, é, que passados quatro anos o colosso seria derrubado.
Quem reina agora em França? Napoleão II?
- Não, Luís XVIII
- Luís XVIII, o irmão de Luís XVI! Os decretos do Céu são estranhos e misteriosos. Qual foi a intenção da Providência abaixando o homem que elevara e elevando o que abaixara?
Dantès seguia com os olhos aquele homem que esquecia por instantes o seu próprio destino para se preocupar assim com os destinos do mundo.
- Sim, sim - continuou -, é como na Inglaterra: depois de Carlos I, Cromwell; depois de Cromwell, Carlos II, e depois de Carlos II talvez qualquer genro, qualquer parente, qualquer príncipe de Orange. Um stathouder que se fará rei. E então novas concessões ao povo, então uma constituição, então a liberdade! Você verá isso, rapaz - declarou virando-se para Dantès fitando-o com olhos brilhantes e profundos como deviam ser os dos profetas.
– Ainda está em idade de o ver e vê-lo-á.
- Sim, se sair daqui
- Tem razão - admitiu o abade Faria. - Estamos presos, embora haja momentos em que o esqueço e, porque os meus olhos trespassam as muralhas que me encerram, me julgue em liberdade.
- Mas por que está preso?