Mas assim que ele virou costas, assim que o ruído dos seus passos desapareceu na galeria, Dantès, devorado pela inquietação, retomou, sem pensar em comer, o caminho que acabara de percorrer e, levantando a laje com a cabeça voltou a entrar na cela do abade.
Este recuperara os sentidos, mas continuava estendido, inerte e sem forças, na cama.
- Já não esperava tornar a vê-lo - disse a Dantès.
- Porquê? - perguntou o rapaz. - Contava morrer?
- Não, mas como está tudo pronto para a fuga contava que fugisse.
O rubor da indignação coloriu as faces de Dantès.
- Sem o senhor?! gritou. - Julgou-me realmente capaz disso?
- Agora verifico que me enganei - declarou o doente. - Ah, estou muito fraco, muito quebrado, completamente exausto!
- Coragem, as suas forças voltarão - animou-o Dantès, sentando-se junto da cama de Faria e pegando-lhe nas mãos. O abade abanou a cabeça.
- Da última vez - disse - o ataque durou meia hora e depois dele tive fome e levantei-me sozinho. Hoje, não consigo mexer a perna nem o braço e tenho a cabeça nublada, o que prova um derramamento cerebral. À terceira vez ficarei inteiramente paralítico ou morrerei acto contínuo.
- Não, não, sossegue que não morrerá. Esse terceiro ataque, se o tiver, encontrá-lo-á livre. Salvá-lo-emos como desta vez, e melhor do que desta vez, pois teremos todos os meios necessários para isso.
- Meu amigo - redarguiu o velho -, não se iluda. A crise que acaba de me atacar condenou-me a prisão perpétua: para fugir é necessário poder andar.
- Pois bem, esperaremos oito dias, um mês, dois meses se for preciso. Entretanto, as suas forças voltarão. Está tudo preparado para a nossa fuga e temos a liberdade de poder escolher a hora e o momento. No dia em que se sentir com forças suficientes para nadar, nesse dia poremos o nosso projecto em prática.
- Nunca mais nadarei - redarguiu Faria. - Este braço está paralisado, não por um dia, mas sim para sempre. Levante-o você mesmo e veja o que pesa.
O rapaz levantou o braço, que voltou a cair, insensível, e soltou um suspiro.
- Está agora convencido, não é verdade, Edmond? - perguntou Faria. - Acredite que sei o que digo. Desde o meu primeiro ataque deste mal que não tenho deixado de reflectir. Esperava-o pois trata-se de uma herança de família: o meu pai morreu à terceira crise e o meu avô também. O médico que me preparou este licor, nem mais nem menos do que o famoso Cabanis, predisse-me o mesmo destino.
- O médico enganou-se! - contrapôs Dantès. - Quanto à sua paralisia, não me preocupa: pô-lo-ei às costas e nadarei segurando-o.