O Conde de Monte Cristo - Cap. 19: O terceiro ataque Pág. 157 / 1080

Vejo-o no fundo da segunda gruta; os meus olhos traspassam as profundezas da terra e ficam deslumbrados com tanta riqueza. Se conseguir fugir, lembre-se de que o pobre abade que toda a gente julgava louco não o era. Corra a Monte-Cristo, aproveite a nossa fortuna, aproveite-a que já sofreu bastante.

Um estremecimento violento interrompeu o velho. Dantès levantou a cabeça e viu que os olhos do abade se injectavam de vermelho; dir-se-ia que uma onda de sangue acabava de lhe subir do peito à cabeça.

- Adeus! Adeus! - murmurou o velho, apertando convulsivamente a mão do rapaz. - Adeus!

- Oh, ainda não, ainda não! - gritou Dantès. - Não nos abandoneis, meu Deus, socorrei-o... ajudai-o... eu...

- Silêncio! Silêncio! - murmurou o moribundo. - Que nos não separem se você me conseguir salvar!

- Tem razão. Oh, sim, sim, esteja tranquilo que o salvarei! De resto, embora sofra muito, parece sofrer menos do que da primeira vez.

- Desengane-se! Sofro menos porque há em mim menos força para sofrer. Na sua idade tem-se fé na vida, é privilégio da juventude crer e esperar. Mas os velhos vêem mais claramente a morte. Ei-la... vem aí... acabou-se... a vista foge... a razão abandona-me... A sua mão, Dantès!... Adeus!... Adeus!

Erguendo-se num derradeiro esforço em que reuniu todas as suas faculdades:

- Monte-Cristo! Não se esqueça de Monte-Cristo! E voltou a cair na cama.

A crise foi terrível: membros contorcidos, pálpebras inchadas, uma espuma ensanguentada, um corpo sem movimentos, foi tudo o que restou naquele leito de dor em vez do ser inteligente que nele se deitara pouco antes.

Dantès pegou na candeia e colocou-a à cabeceira da cama, numa pedra saliente e donde a sua luz trémula iluminava com um reflexo estranho e fantástico aquele rosto descomposto e aquele corpo inerte e rígido.

Com os olhos fixos, esperou intrepidamente o momento de administrar o remédio salvador.

Quando julgou chegado esse momento, pegou na faca, descerrou os dentes do abade, que ofereceram menos resistência do que da primeira vez, contou uma após outra dez gotas e esperou. O frasco continha ainda pouco mais ou menos o dobro do que deitara.

Esperou dez minutos, um quarto de hora, meia hora e nada mexeu. Trémulo, com os cabelos eriçados e a testa gelada de suor, contava os segundos pelas pulsações do seu coração.

Pensou então que era tempo de tentar a última experiência. Aproximou o frasco dos lábios roxos de Faria e, sem necessitar de lhe descerrar os maxilares, que tinham ficado abertos, despejou lodo o licor que ele continha.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069