Ainda por cima, tinha cinquenta mil libras de rendimento. Como se verifica, era mais do que o preciso para estar na moda em Paris. Daí portanto ser um bocadinho humilhante não ter ainda sido seriamente notado por ninguém em nenhuma das cidades por onde passara.
Contava, porém, desforrar-se em Roma, visto o Carnaval ser, em todos os países da Terra que celebravam tão estimável instituição, uma época de liberdade em que os mais sisudos se deixam arrastar a cometer qualquer acto de loucura. Ora, como o Carnaval começava no dia seguinte, era importantíssimo que Albert iniciasse o seu programa antes de o Carnaval começar.
Com essa intenção comprara um dos camarotes mais em evidência do teatro e vestira-se impecavelmente para assistir ao espectáculo. Era um camarote de primeira ordem, que substitui entre nós a galeria. De resto, as três primeiras ordens são tão aristocráticas umas como outras e por esse motivo lhe chamam ordens nobres.
Aliás o camarote, onde caberiam doze pessoas sem ficarem apertadas custara aos dois amigos um bocadinho menos do que um camarote de quatro pessoas no Ambigu.
Albert tinha ainda outra esperança: conseguir lugar no coração de uma bela romana, o que levaria, naturalmente, à conquista de um posto na carruagem da dama e consequentemente a ver o Carnaval do alto de um veículo aristocrático ou de uma varanda principesca.
Todas estas considerações tornavam Albert mais impaciente do que nunca. Virava as costas aos actores, debruçava-se a ponto de deitar meio corpo fora do camarote e analisava todas as mulheres bonitas com um binóculo de seis polegadas de comprimento... o que não levava nem uma só mulher bonita a recompensar com um único olhar, mesmo de curiosidade, todo o esforço despendido por Albert.
Efectivamente, cada qual falava dos seus negócios, dos seus amores, dos seus prazeres, do Carnaval que principiaria no dia seguinte e da próxima Semana Santa, sem prestar atenção um só instante, nem aos actores nem à peça, com excepção dos momentos indicados, em que então todos se viravam, quer para ouvir uma porção do recitativo de Coselli, quer para aplaudir qualquer rasgo brilhante de Moriani, quer para gritar «Bravo!» à Spech. Depois, as conversas particulares retomavam o seu curso habitual.
Quase no fim do primeiro acto a porta de um camarote que se conservara vazio até ali abriu-se e Franz viu entrar uma pessoa a quem tivera a honra de ser apresentado em Paris e que julgava ainda em França. Albert notou o gesto que fez o amigo a essa aparição e, virando-se para ele, perguntou-lhe:
- Conhece aquela dama?
- Conheço. Como a acha?