Caderousse procurou com a vista Fernand: desaparecera. Toda a cena da véspera se lhe apresentou então no espírito com terrível lucidez. Dir-se-ia que a catástrofe acabava de afastar o véu que a embriaguez da véspera colocara entre ele e a sua memória.
- Oh, oh!... - exclamou com voz rouca. - Será isto o resultado da brincadeira de que falavam ontem, Danglars? Nesse caso, ai de quem a pôs em prática, porque é muito triste.
- Não digas isso! - protestou Danglars. Sabes perfeitamente que rasguei a carta.
- Não a raspaste - corrigiu Caderousse. Limitaste-te a atirá-la para um canto.
- Cala-te, tu não viste nada, estavas bêbedo.
- Onde está Fernand? - perguntou Caderousse.
- Sei lá! - respondeu Danglars. - Provavelmente foi à sua vida.
Mas em vez de perdermos tempo com isso vamos ajudar esses pobres infelizes. Com efeito, durante esta conversa, Dantès apertara, sorrindo, a mão a todos os seus amigos e constituíra-se prisioneiro dizendo:
- Fiquem tranquilos, o erro explicar-se-á e provavelmente nem sequer entrarei na cadeia.
- Com certeza, estou convencido disso! - disse Danglars, que na altura se aproximava, como dissemos, do grupo principal.
Dantès desceu a escada, precedido pelo comissário de polícia e rodeado pelos soldados. Uma carruagem com a portinhola aberta esperava à porta. Subiu para ela, dois soldados e o comissário subiram depois dele, a portinhola fechou-se e a carruagem tomou o caminho de Marselha.
- Adeus, Dantès! Adeus, Edmond! - gritou Mercédès debruçando-se da balaustrada.
O prisioneiro ouviu este último grito, saído como um soluço do coração dilacerado da noiva. Deitou a cabeça fora da portinhola e gritou, antes de desaparecer numa das esquinas do Forte de S. Nicolau:
- Até à vista, Mercédès!
- Esperem aqui por mim - disse o armador. - Meter-me-ei na primeira carruagem que encontrar, correrei a Marselha e voltarei com notícias.
- Vá! - gritaram todas as vozes. - Vá e volte depressa!
Depois das duas saídas houve um momento de terrível torpor entre todos os que ficaram. O velho e Mercédès permaneceram durante algum tempo absortos, cada um na sua própria dor. Mas por fim os seus olhos reencontraram se, ambos se reconheceram como duas vítimas atingidas pelo mesmo golpe e lançaram-se nos braços um do outro.
Entretanto, Fernand regressou, encheu um copo de água, bebeu-o e foi sentar-se numa cadeira. O acaso fez com que, ao sair dos braços do velhote, Mercédès se deixasse cair numa cadeira vizinha. Num momento instintivo, Fernand recuou a dele.
- Foi ele - disse a Danglars o alfaiate Caderousse, que não perdera de vista o catalão.
- Não creio - respondeu Danglars. - Seria demasiado estúpido.