- São, sim, senhor. Conhece-a?
- A Sr.ª Danglars?... Tenho essa honra e sinto dupla satisfação por a ter salvo do perigo que esses cavalos a fizeram correr. Porque esse perigo podê-lo-ia atribuir a mim.
Comprei ontem esses cavalos ao barão, mas a baronesa pareceu lamentar tanto a sua perda que lhos restituí ontem mesmo, suplicando-lhe que os não recusasse da minha mão.
- Mas nesse caso, o senhor é - o conde de Monte-Cristo, de quem Hermine tanto me falou ontem?
- Sou, sim, minha senhora - confirmou o conde.
- E eu, senhor, sou a Sr.ª Héloñse de Villefort.
O conde cumprimentou como um homem diante do qual se pronuncia um nome perfeitamente desconhecido.
- Oh, como o Sr. de Villefort lhe ficará reconhecido! - prosseguiu Héloñse. - Porque, enfim, dever-lhe-á a vida de ambos, visto o senhor lhe restituir a mulher e o filho.
Certamente, sem a intervenção do seu generoso criado, esta querida criança e eu estaríamos mortos.
- Infelizmente, minha senhora, e ainda tremo do perigo que correram!
– Oh, espero que me permita recompensar contiguamente a dedicação desse homem!
- Minha senhora - respondeu Monte-Cristo -, não me estrague Ali, peço-lhe, nem com elogios, nem com recompensas. São hábitos que não quero que ele tome. Ali é meu escravo; salvando-lhe a vida, serviu-me e é seu dever servir-me.
- Mas ele arriscou a vida - redarguiu a Sr.ª de Villefort, a quem aquele tom de amo e senhor se impunha singularmente.
- Salvei essa vida, minha senhora - respondeu Monte-Cristo. - Por consequência, ela pertence-me.
A Sr.ª de Villefort calou-se. Talvez reflectisse acerca daquele homem, que à primeira vista causava tão profunda impressão nos espíritos.
Enquanto durou o silêncio, o conde pôde examinar à vontade o garoto, que a mãe cobria de beijos. Era pequeno, frágil, branco como as crianças ruivas, e no entanto uma floresta de cabelos pretos, rebeldes a qualquer frisagem, cobria-lhe atesta abaulada e, caindo-lhe sobre os ombros e emoldurando-lhe o rosto, redobravam-lhe a vivacidade dos olhos cheios de dissimulada malícia e de juvenil maldade. A boca, que ainda mal recuperara a sua cor vermelha, era grande e de lábios finos. As feições daquele garoto de oito anos eram já as de um rapaz de doze anos pelo menos. O seu primeiro movimento foi libertar-se com um safanão brusco dos braços da mãe e ir abrir o cofrezinho donde o conde tirara o frasco de elixir. Em seguida, sem pedir licença a ninguém, como uma criança habituada a satisfazer todos os seus caprichos, pôs-se a destapar os outros frascos.
- Não mexa nisso, meu amigo - disse vivamente o conde. - Alguns desses licores são perigosos, não só bebidos, mas até respirados.