À medida que Dantès falava, Villefort observava-lhe o rosto, ao mesmo tempo tão afável e tão franco, e sentia acudirem-lhe à memória as palavras de Renée que sem o conhecer lhe pedir a indulgência para com o arguido. Com a prática que o substituto já possuía do crime e dos criminosos, via em cada palavra de Dantès surgir a prova da sua inocência. Com efeito, aquele rapaz, quase se poderia dizer, aquela criança, simples, natural e eloquente, com essa eloquência do coração que nunca se encontra quando se procura, cheio de afeição para todos porque era feliz e porque a felicidade torna bons os próprios maus, derramava até sobre o seu juiz a suave afabilidade que lhe transbordava do coração Edmond não linha no olhar, na voz e nos gestos, por mais rude e severo que Villefort tivesse sido para com ele, a não ser atenções e bondade para com aquele que o interrogava.
«Por Deus», disse Villefort para consigo, «aqui está um rapaz encantador que talvez me permita sem grande dificuldade, assim espero, ser agradável a Renée e satisfazer a primeira recomendação que me fez, o que me poderá valer um bom aperto de mão diante de toda a gente e um beijo terno num canto.»
E com esta doce esperança o rosto de Villefort desanuviou-se.
E assim, quando abandonou o fio do seu pensamento e olhou para Dantès, este, que seguia todos os movimentos da fisionomia do seu juiz, sorria como o próprio pensamento de Villefort.
- Tem alguns inimigos? - perguntou o substituto.
- Inimigos, eu? - redarguiu Dantès. - Tenho a sorte de ser demasiado insignificante para que a minha posição mos arranje. Quanto ao meu temperamento, talvez um pouco vivo, sempre tentei suavizá-lo no trato com os meus subordinados. Tenho dez ou doze marinheiros sob as minhas ordens; interrogue-os, senhor, e dir-lhe-ão que me estimam e respeitam, não como um pai, sou demasiado novo para isso, mas sim como um irmão mais velho.
- Mas, à falta de inimigos, talvez tenha invejosos. Ia ser nomeado comandante aos dezanove anos, o que é um cargo elevado na sua idade, e ia casar com uma linda mulher que o ama, o que é uma felicidade rara em qualquer parte deste mundo. Estas duas preferências do destino podem ter-lhe granjeado invejosos.
- Sim, tem razão. Deve conhecer os homens melhor do que eu. É possível. Mas se esses invejosos se encontram entre os meus amigos, confesso-lhe que prefiro não os conhecer para não ser obrigado a odiá-los.
- Engana-se. Tanto quanto possível, devemos ver sempre claro à nossa volta.