- Está bem, Valentine, não falemos mais disso - redarguiu Morrel, suspirando. - Não lhe direi nada.
- Que infelicidade a minha, meu amigo, aflijo-o, bem vejo! - exclamou Valentine. - Oh, não poder apertar-lhe a mão e pedir-lhe perdão! Mas enfim, não pretendo mais do que ser convencida... Diga-me, que fez por si esse conde de Monte-Cristo?
- Embaraça-me muito, confesso-lhe, Valentine, perguntando-me o que fez o conde por mim. Ostensivamente, nada, bem sei. Por isso, como já lhe disse, a minha atenção por ele é absolutamente instintiva e não tem nada de racional. O Sol fez-me porventura alguma coisa? Não. Apenas me aquece e é à sua luz que a vejo, Valentine. Tal ou tal perfume fez alguma coisa por mim? Não. Mas o seu aroma impressiona agradavelmente um dos meus sentidos. Não posso responder mais nada quando me perguntam porque elogio esse perfume. A minha amizade por ele é tão estranha como a sua por mim. Uma voz íntima diz-me que há mais do que acaso nesta amizade imprevista e recíproca. Encontro correlação até nas suas mais simples acções, até nos seus mais secretos pensamentos, com as minhas acções e os meus pensamentos. Vai rir novamente de mim, Valentine, mas desde que conheço esse homem meteu-se-me na cabeça a ideia absurda de que tudo o que me acontece provem dele. No entanto, vivi trinta anos sem necessitar de semelhante protector, não é verdade! Não importa. Olhe, por exemplo: convidou-me para jantar, no sábado, o que é natural no ponto em que as nossas relações se encontram, não acha? Imagina o que soube depois? O seu pai está convidado para esse jantar e a sua madrasta também. Encontrar-me-ei lá com eles e quem sabe o que resultará no futuro desse encontro? Aparentemente, trata-se de tudo quanto há de mais simples; contudo, vejo nisso algo que me espanta, mas em que deposito uma confiança estranha. Digo para comigo que o conde, esse homem singular que adivinha tudo, quis que me encontrasse com o Sr. e a Sr.ª de Villefort, e às vezes procuro, juro-lhe, ler nos seus olhos se ele adivinhou o meu amor.
- Meu bom amigo - disse Valentine -, tomá-lo-ia por um visionário e recearia sinceramente pelo seu bom senso se apenas lhe ouvisse semelhantes raciocínios. O quê, vê outra coisa a não ser o acaso nesse encontro?! Vamos, reflicta.