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A baronesa julgou, sem dúvida, que aquela visita inesperada significava qualquer coisa como o desejo de reparar as palavras amargas que tinham escapado ao barão durante o dia.
Assumiu por isso um ar digno e, virando-se para Lucien, sem responder ao marido, disse-lhe:
- Leia-me qualquer coisa, Sr. Debray.
Debray, a quem a visita começava por inquietar ligeiramente, tranquilizou-se ao ver a calma da baronesa e estendeu a mão para um livro marcado ao meio por uma faca de lâmina de madrepérola incrustada de ouro.
- Perdão - disse o banqueiro -, mas cansar-se-ia demasiado ficando acordada até tão tarde. São onze horas e o Sr. Debray mora muito longe.
Debray ficou tolhido de surpresa, não porque o tom de Danglars não fosse perfeitamente calmo e delicado mas, enfim, através daquela calma e daquela delicadeza transparecia certa veleidade pouco habitual de contrariar a vontade da mulher naquela noite.
A baronesa também ficou admirada e manifestou a sua surpresa com um olhar que sem dúvida daria que pensar ao marido se este não tivesse os olhos fixos num jornal onde procurava o fecho da Bolsa.
Devido a isso, esse olhar tão ferino foi lançado em pura perda e falhou completamente o seu efeito.
- Sr. Lucien - disse a baronesa -, declaro-lhe que não tenho a mais pequena vontade de dormir, que tenho inúmeras coisas para lhe contar esta noite e que o senhor vai passar a noite a ouvir-me, nem que tenha de dormir de pé.
- Ás suas ordens, minha senhora - respondeu fleumaticamente Lucien.
- Meu caro Sr. Debray - disse por sua vez o banqueiro - não perca tempo, peço-lhe, a escutar esta noite as loucuras da Sr.ª Danglars, pois escutá-las-á facilmente amanhã. Mas esta noite é minha, reservo-ma, e dedicála-ei, se se dignar permitir-mo, a conversar de graves interesses com a minha mulher.
Desta vez o golpe era de tal forma directo e firme que deixou Lucien e a baronesa desorientados.
Ambos se interrogaram com a vista, como se procurassem um no outro socorro contra aquela agressão. Mas o poder irresistível do dono da casa triunfou e deu força ao marido.
- Que nem sequer lhe passe pela cabeça que o ponho na rua, meu caro Debray - continuou Danglars. - Não, por nada deste mundo. Apenas uma circunstância imprevista me obriga a desejar ter esta mesma noite uma conversa com a baronesa. Isto acontece-me muito raramente e portanto espero que me não guardem rancor.
Debray balbuciou algumas palavras, cumprimentou e saiu, chocando com as esquinas, como Natã em Natalia.
- É incrível - disse quando a porta se fechou atrás de si - como estes maridos que achamos tão ridículos adquirem facilmente vantagem sobre nós!