O Conde de Monte Cristo - Cap. 65: Cena conjugal Pág. 622 / 1080

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A baronesa julgou, sem dúvida, que aquela visita inesperada significava qualquer coisa como o desejo de reparar as palavras amargas que tinham escapado ao barão durante o dia.

Assumiu por isso um ar digno e, virando-se para Lucien, sem responder ao marido, disse-lhe:

- Leia-me qualquer coisa, Sr. Debray.

Debray, a quem a visita começava por inquietar ligeiramente, tranquilizou-se ao ver a calma da baronesa e estendeu a mão para um livro marcado ao meio por uma faca de lâmina de madrepérola incrustada de ouro.

- Perdão - disse o banqueiro -, mas cansar-se-ia demasiado ficando acordada até tão tarde. São onze horas e o Sr. Debray mora muito longe.

Debray ficou tolhido de surpresa, não porque o tom de Danglars não fosse perfeitamente calmo e delicado mas, enfim, através daquela calma e daquela delicadeza transparecia certa veleidade pouco habitual de contrariar a vontade da mulher naquela noite.

A baronesa também ficou admirada e manifestou a sua surpresa com um olhar que sem dúvida daria que pensar ao marido se este não tivesse os olhos fixos num jornal onde procurava o fecho da Bolsa.

Devido a isso, esse olhar tão ferino foi lançado em pura perda e falhou completamente o seu efeito.

- Sr. Lucien - disse a baronesa -, declaro-lhe que não tenho a mais pequena vontade de dormir, que tenho inúmeras coisas para lhe contar esta noite e que o senhor vai passar a noite a ouvir-me, nem que tenha de dormir de pé.

- Ás suas ordens, minha senhora - respondeu fleumaticamente Lucien.

- Meu caro Sr. Debray - disse por sua vez o banqueiro - não perca tempo, peço-lhe, a escutar esta noite as loucuras da Sr.ª Danglars, pois escutá-las-á facilmente amanhã. Mas esta noite é minha, reservo-ma, e dedicála-ei, se se dignar permitir-mo, a conversar de graves interesses com a minha mulher.

Desta vez o golpe era de tal forma directo e firme que deixou Lucien e a baronesa desorientados.

Ambos se interrogaram com a vista, como se procurassem um no outro socorro contra aquela agressão. Mas o poder irresistível do dono da casa triunfou e deu força ao marido.

- Que nem sequer lhe passe pela cabeça que o ponho na rua, meu caro Debray - continuou Danglars. - Não, por nada deste mundo. Apenas uma circunstância imprevista me obriga a desejar ter esta mesma noite uma conversa com a baronesa. Isto acontece-me muito raramente e portanto espero que me não guardem rancor.

Debray balbuciou algumas palavras, cumprimentou e saiu, chocando com as esquinas, como Natã em Natalia.

- É incrível - disse quando a porta se fechou atrás de si - como estes maridos que achamos tão ridículos adquirem facilmente vantagem sobre nós!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069