Depois de Lucien sair, Danglars instalou-se no seu lugar no canapé, fechou o livro que ficara aberto e, tomando uma atitude horrivelmente pretensiosa, continuou a brincar com o cão. Mas como o cão, que não tinha por ele a mesma simpatia que por Debray, o quisesse morder, agarrou-o pelo cachaço e atirou-o para cima doutro canapé colocado do lado oposto do quarto.
O animal ganiu ao atravessar o espaço; mas chegado ao seu destino aninhou-se atrás de uma almofada e, estupefacto com semelhante tratamento a que não estava habituado, ficou mudo e quedo.
- Sabe, senhor - disse a baronesa sem pestanejar - que está a fazer progressos? Habitualmente é apenas grosseiro; esta noite é brutal.
- É que estou esta noite de mais mau humor do que habitualmente - respondeu Danglars.
Hermine olhou o banqueiro com supremo desdém. Regra geral, tais olhares exasperavam o orgulho de Danglars; mas naquela noite pareceu quase não reparar neles.
- E que me interessa a mim o seu mau humor? - replicou a baronesa, irritada com a impassibilidade do marido. - Porventura essas coisas dizem-me respeito? Guarde os seus maus humores para si ou descarregue-os nos seus escritórios. Uma vez que tem empregados a quem paga, eles que lhe aturem os maus humores!
- De modo nenhum - respondeu Danglars. - Os seus conselhos são insensatos, minha senhora, e por isso não os seguirei. Os meus escritórios são o meu Pactolo, como diz, se me não engano, o Sr. Desmoustiers, e não desejo mudar-lhe o curso nem perturbar-lhe a calma. Os meus empregados são pessoas honestas, que me ganham a minha fortuna e a quem pago uma taxa infinitamente inferior à que merecem, se os avaliar de acordo com o que me rendem. Portanto, não descarregarei a minha cólera sobre eles; descarregá-la-ei sobre aqueles que papam os meus jantares, rebentam os meus cavalos e esvaziam o meu cofre.
- E quem são essas pessoas que esvaziam o seu cofre? Explique-se mais claramente, senhor, peço-lhe.
- Oh, esteja tranquila! Embora fale por enigmas, estou certo de que não precisará de muito tempo para os decifrar redarguiu Danglars. - As pessoas que esvaziam o meu cofre são aquelas que numa hora tiram dele a bagatela de quinhentos mil francos.
- Não o compreendo, senhor - disse a baronesa, procurando dissimular simultaneamente a emoção da voz e o rubor do rosto.
- Pelo contrário, compreende muito bem - contrapôs Danglars. Mas se a sua má vontade continuar, dir-lhe-ei que acabo de perder setecentos mil francos do empréstimo espanhol.
- Essa agora! - exclamou a baronesa, troçando. - E é a mim que torna responsável por essa perda?
- Porque não?
- Tenho por acaso a culpa se o senhor perdeu setecentos mil francos?
- Seja como for, eu é que a não tenho.