O Conde de Monte Cristo - Cap. 67: No gabinete do Procurador Régio Pág. 638 / 1080

- Há quanto tempo - começou o procurador régio, sentando-se por sua vez e fazendo a poltrona descrever um semicírculo a fim de ficar defronte da Sr.ª Danglars -, há quanto tempo, minha senhora, não tinha a felicidade de conversar a sós consigo. E com meu grande pesar, reencontramo-nos para ter uma conversa deveras penosa.

- No entanto, senhor, bem vê que acorri ao seu primeiro chamamento, embora certamente esta conversa seja ainda mais penosa para mim do que para si.

Villefort sorriu amargamente.

- É então verdade - prosseguiu, respondendo muito mais ao seu próprio pensamento do que às palavras da Sr.ª Danglars -, é então verdade que todos os nossos actos deixam vestígios, uns sombrios, outros luminosos, no nosso passado! É então verdade que todos os nossos passos nesta vida se assemelham ao andamento do réptil na areia e deixam rasto! Infelizmente, para muitos esse rasto, esse sulco, é o das suas lágrimas!

- Senhor, compreende a minha emoção, não é verdade? - perguntou a Sr.ª Danglars - Poupe-me portanto, suplico-lhe. Este gabinete, por onde tantos culpados têm passado, trémulos e envergonhados; esta cadeira, onde me sento por minha vez também envergonhada e trémula... Oh, acredite que necessito de toda a minha razão para não ver em mim uma mulher culpada e em si um juiz ameaçador.

Villefort abanou a cabeça e suspirou.

- E eu - redarguiu -, e eu não digo para comigo que o meu lugar não é na poltrona do juiz, mas sim no banco do réu?

- O senhor? - disse a Sr.ª Danglars, surpreendida.

- Sim, eu.

- Creio que da sua parte, senhor, o seu puritanismo exagera a situação - contrapôs a Sr.ª Danglars, cujos olhos, tão belos, brilharam fugazmente. - Os sulcos de que acaba de falar foram traçados por todas as juventudes ardentes. No fundo das paixões, para lá do prazer, há sempre um pouco de remorso. É por isso que o Evangelho, esse recurso eterno dos infelizes, nos deu como amparo, a nós, pobres mulheres, a admirável parábola da jovem pecadora e da mulher adúltera. Por isso, confesso-lhe, quando me recordo desses delírios da minha juventude, penso às vezes que Deus mos perdoará, porque se não a desculpa, pelo menos a compensação encontra-se nos meus sofrimentos. Mas o senhor, que tem a temer de tudo isso, se aos homens toda a gente os desculpa e o escândalo nobilita-os?

- Minha senhora - replicou Villefort -, não me conhece. Não sou um hipócrita ou pelo menos não armo em hipócrita sem motivo. Se a minha fronte é severa, isso deve-se às desgraças que a têm assombrado; se o meu coração se petrificou, foi para poder suportar os choques que tem recebido.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069