Não foi por acaso que mandou cavar a terra? Finalmente não foi por acaso que a infeliz criança foi enterrada debaixo das árvores? Pobre criatura saída de mim, à qual nunca pude dar um beijo, mas a quem tenho dado muitas lágrimas. Ah, todo o meu coração voou ao encontro do conde quando ele falou do querido despojo debaixo das flores!
- Não, minha senhora, e é isso que tenho de terrível para lhe dizer - redarguiu Villefort com a voz estrangulada -; não, não houve despojo encontrado debaixo das flores; não, não houve criança desenterrada; não, é inútil chorar; não, é inútil gemer, não, o que devemos é tremer!
- Que quer dizer, senhor? - perguntou a Sr.ª Danglars, muito agitada.
- Quero dizer que o Sr. de Monte-Cristo não pôde encontrar, ao cavar ao pé das árvores, nem esqueleto de criança, nem ferragem de cofre, porque debaixo das árvores não havia nem um nem outra.
- Não havia nem um nem outra?! - repetiu a Sr.ª Danglars, cravando no procurador régio uns olhos cujas pupilas, horrivelmente dilatadas, indicavam terror.
- Não havia nem um nem outra! - repetiu mais uma vez, como uma pessoa que procura fixar pelo som das palavras e pelo ruído da voz as ideias prestes a fugir-lhe.
- Não! - insistiu Villefort, deixando cair a fronte nas mãos.
- Não, cem vezes não!...
- Mas não foi ali que sepultou a pobre criança, senhor? Porque me enganou? Com que fim, diga-me!
- Tem razão. Mas ouça-me, minha senhora, ouça-me, e verá que me lamenta, a mim que trouxe durante vinte anos às costas, sem nunca lhe pedir que carregasse com a mais pequena parte, o fardo de dores de que lhe vou falar.
- Meu Deus, o senhor assusta-me! Mas não importa; fale, escuto-o.
- Sabe o que se passou naquela noite dolorosa em que a senhora expirava no seu leito, naquele quarto de damasco vermelho, enquanto eu, quase tão arquejante como a senhora, esperava que desse à luz. A criança nasceu, foi-me entregue sem movimentos, sem respiração e sem voz, e julgámo-la morta.
A Sr.ª Danglars fez um gesto rápido, como se quisesse saltar da cadeira. Mas Villefort deteve-a juntando as mãos, como que para lhe implorar atenção.
- Julgámo-la morta - repetiu. - Meti-a num cofre, que deveria substituir o caixão, desci ao jardim, abri uma cova e enterrei-a precipitadamente. Mal acabara de cobrir a sepultura de terra quando o braço do corso se estendeu para mim. Vi como que uma sombra erguer-se, como que reluzir um relâmpago. Senti uma dor, quis gritar, um arrepio gelado percorreu-me todo o corpo e apertou-me a garganta... Caí moribundo e julguei-me assassinado.