- Por um instante pensei que isso me acontecesse, mas não tive essa sorte. Entretanto, apelando para a minha energia e por consequência para as minhas ideias, perguntei a mim mesmo: “Porque teria o homem levado o cadáver?”
- O senhor já o disse: para ter uma prova - lembrou a Sr.ªDanglars.
- Não, não, minha senhora, já não podia ser isso. Ninguém guarda um cadáver durante um ano; mostra-o a um magistrado e faz o seu depoimento. Ora nada semelhante acontecera.
- Bom, e então?... - perguntou Hermine toda palpitante.
- Então, tratava-se de qualquer coisa mais terrível, mais fatal, mais assustadora para nós: a criança estava talvez viva e o assassino salvara-a.
A Sr.ª Danglars soltou um grito terrível e agarrou as mãos de Villefort.
- O meu filho estava vivo! O senhor enterrou o meu filho vivo! Garantira-me que o meu filho estava morto e enterrou-o... Oh!
A Sr.ª Danglars levantara-se e mantinha-se de pé e quase ameaçadora diante do procurador régio, cujos pulsos apertava com as mãos delicadas.
- Que queria que lhe dissesse? Disse-lhe isso como lhe poderia dizer outra coisa - redarguiu Villefort com uma fixidez de olhar indicadora de que aquele homem tão poderoso estava prestes a atingir os limites do desespero e da loucura.
- Ah, meu filho, meu pobre filho! - gritou a baronesa, caindo de novo na cadeira e abafando os soluços com o lenço.
Villefort caiu em si e compreendeu que para desviar a tempestade materna que se acumulava sobre a sua cabeça era necessário que a Sr.ª Danglars se recompusesse do terror que ele próprio experimentava.
- Como deve compreender, se o caso é assim, estamos perdidos disse, levantando-se por seu turno e aproximando-se da baronesa para lhe falar em voz mais baixa. - Essa criança vive, alguém sabe que vive, alguém possui o nosso segredo. E uma vez que Monte-Cristo fala diante de nós de uma criança desenterrada de um local onde essa criança já não existia, quem está de posse do segredo é ele.
- Deus, Deus justo, Deus vingador! - murmurou a Sr.ª Danglars.
Em resposta, Villefort limitou-se a soltar uma espécie de rugido.
- Mas e essa criança, essa criança, senhor? - insistiu a mãe, obstinada.
- Oh, o que a procurei! - respondeu Villefort, torcendo os braços. - Quantas vezes a chamei nas minhas longas noites sem sono! Quantas vezes desejei possuir uma riqueza real para comprar um milhão de segredos a um milhão de homens e encontrar o meu segredo entre os deles! Enfim, um dia em que pela centésima vez pegava na enxada, perguntei a mim mesmo também pela centésima vez que teria o corso feito da criança.
Uma criança estorva um fugitivo...