Se naquele momento a suave voz de Renée lhe tivesse soado aos ouvidos pedindo-lhe compaixão; se a bela Mercédès tivesse entrado e lhe tivesse dito: «Em nome de Deus que nos vê e nos julga, restitua-me o meu noivo»; sim, aquela fronte que as circunstâncias inclinavam até meio ter-se-ia curvado por completo e as mãos geladas daquele homem teriam sem dúvida, com risco de tudo o que daí pudesse resultar para ele, assinado o mandado de soltura de Dantès. Mas nenhuma voz murmurou no silêncio e a porta só se abriu para entrar o criado de quarto de Villefort, que lhe veio dizer que os cavalos de posta já estavam atrelados à caleça de viagem.
Villefort levantou-se, ou antes, saltou como um homem que vence uma luta intima, correu para a secretária, meteu nas algibeiras todo o ouro que se encontrava numa gaveta, andou um instante sobressaltado, pelo aposento, com a mão na testa e proferindo palavras sem sentido, e por fim, sentindo que o criado acabava de lhe pôr a capa pelos ombros, saiu, meteu-se na carruagem e ordenou com voz breve ao cocheiro que seguisse para a Rua do Grand- Cours, para casa do Sr. de Saint-Méran. O pobre Dantès estava condenado.
Como o Sr. de Saint-Méran lhe prometera, Villefort encontrou a marquesa e Renée no gabinete. Ao ver Renée, o jovem estremeceu, pois julgou que ela lhe fosse pedir de novo a liberdade de Dantès. Mas, ai de nós, devemos confessá-lo para vergonha do nosso egoísmo, a linda rapariga estava preocupada com uma coisa: a partida de Villefort
Amava Villefort e Villefort partia no momento de se tornar seu marido. Villefort não podia dizer quando voltaria e Renée, em vez de lamentar Dantès, amaldiçoou o homem que devido ao seu crime a separava do amado.
E Mercédès?
A pobre Mercédès encontrara Fernand, que a seguira, à esquina da Rua de Loge, regressara aos Catalães e, com a morte na alma, desesperada, atirara-se para cima da cama.
Fernand ajoelhara diante dessa cama e, apertando a mão gelada de Mercédès, que esta não se lembrava de retirar, cobria-lha de beijos ardentes que Mercédès nem sequer sentia.
A jovem passou a noite assim. O candeeiro apagou-se quando o azeite se acabou, mas Mercédès não deu mais pela obscuridade do que dera pela luz e o dia voltou sem que desse por ele. A dor pusera-lhe diante dos olhos uma venda que só a deixava ver Edmond.
- Ah, estás aí!... - disse por fim, virando-se para o lado de Fernand.
- Desde ontem que te não deixo - respondeu Fernand, com um suspiro doloroso.
O Sr. Morrel dera-se por vencido. Soubera que depois do seu interrogatório Dantès fora levado para a prisão.