Afastaram-se.
Morrel, como se tivesse necessidade de respirar, deitou a cabeça fora do arvoredo e a Lua iluminou-lhe o rosto tão pálido que o poderiam tomar por um fantasma.
- Deus protege-me de uma evidente mas terrível forma - murmurou. - Mas Valentine, Valentine, pobre amiga, resistirá ela a tanto sofrimento?
À medida que proferia estas palavras, olhava alternadamente as janelas dos cortinados vermelhos e as três janelas de cortinados brancos.
A luz desaparecera quase completamente da janela dos cortinados vermelhos. Sem dúvida a Sr.ª de Villefort acabava de apagar o candeeiro e a lamparina mal se reflectia nos vidros.
Na extremidade do edifício, pelo contrário, viu abrir uma das três janelas de cortinados brancos. Uma vela colocada na chaminé projectou no exterior alguns raios da sua luz pálida e uma sombra veio por instantes à varanda.
Morrel estremeceu; parecia-lhe ter ouvido um soluço.
Não era de admirar que aquela alma, habitualmente tão corajosa e tão forte, mas agora perturbada e exaltada pelas duas mais fortes paixões humanas, o amor e o medo, tivesse enfraquecido ao ponto de sofrer alucinações supersticiosas.
Embora fosse impossível, oculto como estava, que o olhar de Valentine o distinguisse, julgou ser chamado pela sombra da janela; o seu espírito perturbado dizia-lho e o seu coração ardente repetia-lho. Este duplo erro transformou-se numa realidade irresistível e, por um desses incompreensíveis impulsos da juventude, Morrel saltou para fora do seu esconderijo e em duas passadas, com risco de ser visto, de assustar Valentine e de esta dar o alarme por meio de algum grito involuntário, transpôs o jardim, que o luar tornava amplo e branco como um lago, e, depois de alcançar o renque de laranjeiras que se estendia diante da casa, atingiu os degraus da escadaria, que subiu rapidamente, e empurrou a porta, que se abriu sem resistência diante dele.
Valentine não o vira. Os seus olhos erguidos para o céu seguiam uma nuvem prateada que deslizava no azul e cuja forma era a de um fantasma a subir ao céu. O seu espírito exaltado segredava-lhe que era a alma da avó.
Entretanto, Morrel atravessara a antecâmara e encontrara o corrimão da escada. A passadeira que cobria os degraus abafava-lhe os passos. Aliás, Morrel chegara a tal ponto de exaltação que nem a presença do próprio Villefort o teria assustado. Se Villefort lhe aparecesse, a sua resolução estava tomada: aproximar-se-ia dele, confessar-lhe-ia tudo e pedir-lhe-ia desculpa e que aprovasse aquele amor que o ligava à filha e a filha a ele. Morrel estava louco.
Por sorte, não encontrou ninguém.