- Conforme o sentido que dê à pergunta, senhor. Se é como bom camarada, não, pois parece-me que não gosta de mim desde o dia em que cometi a tolice, depois de uma pequena discussão que tivemos, de lhe propor que nos detivéssemos dez minutos na ilha de Monte-Cristo para resolvermos a questão, proposta que não andei bem em fazer-lhe e que ele teve razão em recusar. Se é a respeito do guarda-livros que me faz a pergunta, creio não haver nada a dizer e que terá motivos para se sentir satisfeito com a forma como ele se desempenha da sua tarefa.
- Mas... Vejamos, Dantès, se fosse comandante do pharaon conservaria Danglars com prazer? - perguntou o armador.
- Comandante ou imediato, Sr. Morrel - respondeu Dantès - terei sempre a maior consideração por aqueles que possuírem a confiança dos meus armadores.
- Está bem, está bem, Dantès, vejo que é um excelente rapaz sob todos os aspetos. Não o retenho mais; vá, pois bem vejo que está sobre brasas.
- Posso contar com a minha licença? - perguntou Dantès.
- Pois sim.
- Permite-me que me sirva do seu barco? - à vontade.
- Adeus, Sr. Morrel, e mil vezes obrigado.
- Adeus, meu caro Edmond, felicidades! O jovem marinheiro saltou para o barco, sentou-se à popa e mandou seguir para a Cannebière. Dois marinheiros inclinaram-se imediatamente sobre os remos e a embarcação deslizou tão rapidamente quanto possível por entre os numerosos barcos que obstruíam a espécie de rua estreita que conduzia, através de duas filas de navios, da entrada do porto ao cais de Orleães.
O armador seguiu-o com a vista sorrindo, até Dantès alcançar a muralha, saltar para as lajes do cais e desaparecer imediatamente no meio da multidão variegada que das cinco da manhã às nove da noite enche a famosa Rua da Cannebière, de que tanto se orgulham os fócios modernos, os quais dizem com a maior seriedade do mundo e com a pronúncia que dá tanto carácter às suas palavras: «Se Paris tivesse a Cannebière seria uma pequena Marselha.»
Ao virar-se, o armador viu atrás de si Danglars, que aparentemente parecia esperar as suas ordens, mas que na realidade seguia também com a vista o jovem marinheiro.
Simplesmente, havia uma grande diferença na expressão do duplo olhar que seguia o mesmo homem.