- Que diabo está para aí a dizer?
- Meu caro, bato-me hoje.
- O senhor? E porquê?
- Porque sim!
- Está bem, mas por que motivo? As pessoas batem-se por mil e uma coisas, como sabe.
- Por uma questão de honra.
- Ah, então o caso é sério!
- Tão sério que lhe venho pedir que me faça um favor.
- Qual?
- O de ser minha testemunha.
- Então o caso é mais do que sério, é grave. Mas não falemos disso aqui e regressemos a minha casa. Ali, dá-me água.
O conde arregaçou as mangas e passou ao vestibulozinho que precede as linhas de tiro e onde os atiradores têm o hábito de lavar as mãos.
- Entre, Sr. Visconde, se quer ver uma coisa engraçada – disse Philippe em voz baixa.
Morcerf entrou. Em vez de alvos, encontravam-se coladas na placa cartas de jogar.
De longe, Morcerf julgou tratar-se de um naipe completo; havia desde o ás até ao dez.
- Ah, ah!... - exclamou Albert. - Estava a jogar ao piquet?
- Não - respondeu o conde -, estava a fazer um baralho de cartas.
- Como?...
- Sim. As que vê são ases e duques; as minhas balas é que fizeram os ternos, as quinas, os setes, os oitos, os noves e os dez.
Albert aproximou-se.
Com efeito, as balas tinham, em linhas perfeitamente exactas e a distâncias perfeitamente iguais, substituído os sinais ausentes e perfurado o cartão nos sítios onde deveriam ser pintados. Ao dirigir-se para a placa, Morcerf apanhou ainda duas ou três andorinhas que tinham cometido a imprudência de passar ao alcance da pistola do conde e que este abatera.
- Diabo!... - exclamou Morcerf
- Que quer, meu caro visconde - disse Monte-Cristo, limpando as mãos à toalha trazida por Ali -, tenho de ocupar os meus momentos de ociosidade... Mas venha, estou à sua espera.
Subiram ambos para o cupé de Monte-Cristo, que, poucos instantes depois, os depositou à porta do n.º 30.
Monte-Cristo levou Morcerf para o seu gabinete e indicou-lhe uma cadeira. Sentaram-se ambos.
- Agora, conversemos tranquilamente - disse o conde.
- Como vê, estou perfeitamente calmo.
- Com quem se quer bater?
- Com Beauchamp.
- Um dos seus amigos!
- É sempre com amigos que nos batemos.
- Pelo menos deve haver uma razão.
- Tenho uma.
- Que lhe fez ele?
- Um jornal de ontem à tarde... Mas tome, leia - e Albert estendeu a Monte-Cristo um jornal em que o conde leu o seguinte: «Escrevem-nos de Janina:
»Um facto até agora ignorado, ou pelo menos inédito, chegou ao nosso conhecimento: os castelos que defendiam a cidade foram entregues aos Turcos por um oficial francês no qual o vizir Ali-Tebelin depositava toda a sua confiança e que sechamava Fernand.»