- No primeiro andar, como vês, há a antecâmara, a sala... à direita da sala a biblioteca e o gabinete de trabalho; à esquerda da sala, um quarto de dormir e outro de vestir. É no quarto de vestir que se encontra a famosa secretária.
- E há alguma janela no quarto de vestir?
- Duas: aqui e aqui.
E Andrea desenhou duas janelas na divisão que, na planta, fazia esquina e figurava como um quadrado mais pequeno pegado ao quadrado grande do quarto de dormir.
Caderousse ficou pensativo.
- Ele vai muitas vezes a Auteuil? - perguntou.
- Duas ou três vezes por semana. Amanhã, por exemplo, deve lá ir passar o dia e a noite.
- Tens a certeza?
- Convidou-me para lá ir jantar.
- Ainda bem. Isso é que é vida! - exclamou Caderousse. - Casa na cidade, casa no campo...
- Quando se é rico...
- E tu irás lá jantar?
- Provavelmente.
- Quando jantas, dormes lá?
- Se me apetece... Estou em casa do conde como se estivesse na minha.
Caderousse olhou o rapaz como se quisesse arrancar-lhe a verdade do fundo do coração. Mas Andrea tirou uma charuteira do bolso, escolheu um havano, acendeu-o tranquilamente e começou a fumar sem afectação.
- Quando queres os quinhentos francos? - perguntou a Caderousse.
- Agora, se os tens.
Andrea tirou vinte e cinco luíses da algibeira.
- Amarelinhos? - disse Caderousse. - Não, obrigado!
- Não gostas deles?
- Pelo contrário, aprecio-os muito; mas não os quero.
- Ganharás o cambio, imbecil: o ouro vale mais cinco soldos.
- Pois sim, mas depois o cambista mandará seguir o amigo Caderousse, deitar-lhe-ão a mão e terá de dizer quem são os rendeiros que lhe pagaram a renda em ouro. Deixemo-nos de tolices, pequeno: quero dinheiro corrente, moedas redondas com a efígie de um monarca qualquer. Toda a gente pode ter uma moeda de cinco francos.
- Como deves compreender, não trago comigo quinhentos francos em dinheiro miúdo. Teria de contratar um carregador.
- Está bem, deixa-os no hotel, ao teu porteiro. É um excelente homem. Irei lá buscá-los.
- Hoje?
- Não, amanhã. Hoje não tenho tempo.
- Pois sim, seja. Amanhã, quando partir para Auteuil, deixar-lhos-ei.
- Posso contar com isso?
- Certamente.
- É que vou já ajustar a minha criada...
- Ajusta-a. Mas ponto final, hem? Não me perseguirás mais?
- Nunca mais.
Caderousse tornara-se tão sombrio que Andrea teve de fingir que não notara essa mudança. Redobrou portanto de alegria e despreocupação.
- Estás muito bem disposto - observou Caderousse. - Dir-se-ia que já recebeste a tua herança!
- Ainda não, infelizmente!... Mas no dia em que a receber...
- Que farás?