O Conde de Monte Cristo - Cap. 86: O julgamento Pág. 824 / 1080

Era evidente que toda a Câmara ansiava por iniciar os debates.

Via-se o jornal acusador nas mãos de toda a gente; mas como sempre, todos hesitavam em chamar a si a responsabilidade do ataque. Por fim, um dos respeitáveis pares, inimigo declarado do conde de Morcerf, subiu à tribuna com uma solenidade anunciadora de que o momento esperado chegara.

Fez-se um silêncio espantoso. Só Morcerf ignorava a causa da profunda atenção que se prestava daquela vez a um orador que ninguém costumava escutar tão complacentemente.

O conde deixou passar tranquilamente o preâmbulo pelo qual o orador declarava ir falar de uma coisa de tal modo grave, de tal modo sagrada e de tal modo vital para a Câmara, que reclamava toda a atenção dos seus colegas.

Às primeiras citações de Janina e do coronel Fernand, o conde de Morcerf empalideceu tão horrivelmente que um único frémito percorreu a assembleia, da qual todos os olhares convergiam para o conde.

As feridas morais têm isso de especial: ocultam-se, mas não fecham. Sempre dolorosas, sempre prontas a sangrar quando lhes tocam, permanecem vivas e abertas no coração.

Terminada a leitura do artigo no meio do mesmo silêncio, perturbado então por um frémito, que cessou imediatamente quando o orador pareceu disposto a tomar de novo a palavra, o acusador expôs os seus escrúpulos e procurou demonstrar quanto a sua tarefa era difícil. Tratava-se da honra do Sr. de Morcerf, era a honra de toda a Câmara que pretendia defender provocando um debate que teria de se ocupar de questões pessoais, sempre tão melindrosas. Finalmente, concluiu pedindo que fosse ordenado um inquérito bastante rápido para confundir, antes que tivesse tempo de crescer, a calúnia e para recolocar o Sr. de Morcerf, vingando-o, na posição que a opinião pública lhe concedera havia muito tempo.

Morcerf estava acabrunhado. Tão acabrunhado, tão trémulo perante aquela enorme e inesperada calamidade, que mal pôde balbuciar algumas palavras, e fitava os colegas com os olhos esbugalhados. Aquela timidez, que aliás tanto se podia dever à surpresa do inocente como à vergonha do culpado valeu-lhe algumas simpatias. Os homens verdadeiramente generosos estão sempre prontos a ser compassivos quando a infelicidade do inimigo excede os limites do seu ódio.

O presidente pôs o inquérito à votação. Votou-se por sentados e levantados e decidiu-se levar o inquérito por diante.

Perguntaram ao conde quanto tempo precisava para preparar a sua defesa.

A coragem voltara a Morcerf desde que se sentira ainda vivo depois daquele horrível golpe.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069