Ora somos forçados a confessar que Andrea poderia ter remorsos, mas não os tinha.
Eis qual era o plano de Andrea, plano que lhe dera a maior parte da sua tranquilidade: ao amanhecer, levantar-se-ia e sairia da estalagem depois de pagar escrupulosamente a conta; dirigir-se-ia para a floresta e compraria, a pretexto de se dedicar a estudos de pintura, a hospitalidade de um camponês; arranjaria um traje de lenhador e um machado, ou seja, despiria as galas de «leão» para envergar as vestes de operário. Depois, com as mãos terrosas, o cabelo escurecido por um pente de chumbo e o rosto bronzeado com um preparado de que os seus antigos camaradas lhe tinham dado a receita, alcançaria, de floresta em floresta, a fronteira mais próxima, caminhando de noite, dormindo de dia nos bosques ou nas pedreiras e só se aproximando de lugares habitados para comprar de vez em quando um pão.
Uma vez atravessada a fronteira, Andrea venderia os diamantes por uma importância a que juntaria uma dezena de notas que trazia sempre consigo para qualquer eventualidade e encontrar-se-ia ainda de posse de umas cinquenta mil libras, o que não parecia à sua filosofia um começo de vida demasiado rigoroso.
De resto, contava muito com o interesse que os Danglars teriam em extinguir o falatório acerca da sua desventura. Eis por que, além da fadiga, Andrea adormeceu tão depressa e dormiu tão bem.
No entanto, para acordar mais cedo, Andrea não fechara as persianas; limitara-se apenas a correr o fecho da porta e a deixar aberta, em cima da mesa-de-cabeceira, uma navalha aguçadíssima, cuja excelente têmpera conhecia e de que nunca se separava.
Por volta das sete da manhã, Andrea foi acordado por um raio de sol que lhe veio, tépido e brilhante, brincar na cara.
Em qualquer cérebro bem organizado a ideia dominante - e existe sempre uma -, a ideia dominante, dizíamos, é a que, depois de ser a última a adormecer, é também a primeira que ilumina o despertar do pensamento.
Ainda Andrea não abrira por completo os olhos e já o seu pensamento dominante se lhe impunha e segredava que dormira demais.
Saltou da cama e correu à janela. Um gendarme atravessava o pátio.
Um gendarme é um dos indivíduos mais impressionantes que existem no mundo, mesmo aos olhos de um homem que não tem nada a temer; mas para uma consciência assustada e que tem algum motivo para o estar, o amarelo, o azul e o branco de que se compõe o seu uniforme adquirem aspectos assustadores.
«Porquê um gendarme?», pensou Andrea.